quarta-feira, 27 de junho de 2018

Tecnologia 2 por Luis Pinguelli

Divulgando...


Divulgando...
E aí povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!

 CONTINUANDO...


            Como nosso país poderá aumentar a produtividade e disponibilidade desses bens sofisticados (a televisão ou o microcomputador têm que ser produzidos e utilizados, no caso do microcomputador como instrumento de trabalho) e ao mesmo tempo pensar em ampliar o número de empregos? Isso não é uma solução fácil de encontrar. É uma problematização que se pode fazer, menos do que apontar soluções simples.
            Há uma enorme falta de discussão fora dos setores interessados, ou seja, aqueles que trabalham com ciência e tecnologia, e que naturalmente advogam a importância da sua função. Mas é uma questão tão séria que exige uma discussão política. Um partido avançado como o PT, um partido em cima do muro como o PSDB, ou mesmo um partido mais conservador como o PFL, tratam a tecnologia com rótulo. Se pegarmos o que eles dizem sobre tecnologia, é mais ou menos a mesma coisa, o que é mau. É sinal que eles não sabem ler o que dizem, ou apenas um deles sabe o que diz, provavelmente o PFL. Este é o problema. E os outros repetem sem saber o que estão falando.
            Se tecnologia tem a ver com emprego, com trabalho, é uma questão política. Mas não pode ser pensada apenas como um bloqueio sindical, como os famosos ludistas que quebraram as máquinas, muitas décadas atrás, para evitarem a substituição de sua mão-de-obra por elas. Mas aquela era uma fase onde se passava da produção semi-artesanal e industrial, organizada à guisa de um artesanato coletivizado, onde a força motriz era minimamente usada para correias de transmissão fazerem alguns movimentos repetitivos mecânicos para uma situação na qual passamos a ter grandes máquinas, resultando nas linhas de montagem que são o paraíso do taylorismo e do fordismo. Onde o homem é governado pelo ritmo da máquina, do homem que trabalha no tempo da máquina, situação magistralmente descrita pelo gênio de Charles Chaplin em Tempos Modernos.
            Não sei se alguns dos senhores teve alguma experiência desse tipo, em alguma situação particular, ter o seu tempo governado por algo fora de si, completamente, num ritmo muito acelerado. Isso se dá em alguns jogos, que dão emoção, aflição; você tem que passar a bola e segurá-la. Mas ali é um lazer, é um desafio que você está se impondo a si próprio. Imaginem os senhores o dia inteiro fazendo uma coisa rotineira, que não tem a graça do jogo, porque é sempre igual, no ritmo de uma esteira rolante.
            Então a tecnologia, quando acaba a esteira rolante, tem um dado ambíguo. De um lado, é muito bom que homens deixem de fazer aquilo que o Carlitos simboliza com o tique nervoso de ficar fazendo rodar uma chave de parafuso, chave inglesa ou lá o que se fosse. Por outro lado, é preciso ter a consciência de que isso significa desemprego, se não houver um emprego novo. As ilhas de produção, que hoje são usadas no lugar das linhas de montagem, são agrupamentos de operários em torno de um objetivo onde há uma certa unidade. Mas, voltando ao sistema semi-artesanal, não é bem assim porque há muita presença de informatização de gerência, de ritmo, de um outro tipo de ritmo que é da competição do que cada ilha poderá produzir mais do que a outra, se ganhar mais por causa disso.
            Portanto, tem aí um taylorismo escondido, quando os deslumbrados da tecnologia falam do fim do taylorismo e do fordismo. Talvez devessem dizer melhor um outro taylorismo, um outro fordismo, porque o ritmo das ilhas de produção também é um ritmo severo, embora elas sejam, sem dúvida, mais humanizadas que as linhas de montagem. Mas temos que lidar com essas coisas que estão aí. Os partidos, os sindicatos, acho que até a CUT, pelo que eu saiba, estão bastante atentos, criando grupos de estudos com a cooperação dos italianos, que são especialista em negociar, em pactuar a entrada das tecnologias de acordo com a realidade social do país. São questões muito concretas.
            É assim que analiso a tecnologia, e não na venda da ilusão de um mundo maravilhoso onde todos seremos felizes porque teremos coisas de eletrônica penduradas por todos os lados. Talvez seja necessário termos menos coisas eletrônicas para sermos mais felizes. E temos que pensar a dose das coisas eletrônicas, não deixando que o capitalista, preocupado com a maximização da sua margem de lucros, faça isso por nós. Se desistirmos de nos apropriarmos, como totalidade, dos meios de produção, porque isto não deu certo onde foi feito, pelo menos, não dei certo para certas coisas, mas deu para todo mundo comer e se vestir. E, lamentavelmente, para fazer bomba atômica e foguetes para meter medo nos americanos, deu. Os americanos tinham enorme medo dos foguetes soviéticos. Tanto medo que eles nem dormiam de noite. Faziam abrigo debaixo das casas. Então, para isso, deu. Para fazer bombas, comida, calçados, mas não deu para muita coisa que a sociedade, uma vez satisfeita a sua base de necessidades essenciais, demanda. E talvez, acima de tudo, não deu porque se criou um autoritarismo insuportável.
            O que isso tem a ver com a tecnologia é outro problema. Até para ilustrar essa questão. Logo que houve o festival de países do Leste Europeu que se converteram ao capitalismo com muita alegria, fizemos no Fórum da Ciência e Cultura da UFRJ, um debate com alguns alemães, da Alemanha Ocidental, que estavam aqui através de um órgão de cooperação técnico-alemã. E foi curioso que um deles falava o seguinte: “que absurdo que é na Alemanha Oriental – dizia ele – imagine que, em plena hora do expediente, o que se via? Operário na rua! Até de macacão, fazendo compras. Imagine operário fazendo compras na hora do expediente!” Quer dizer, na imaginação dele, as pessoas ficam mais felizes presas dentro das fábricas. Como ficam, de fato! Quem entra numa fábrica, ou num guichê de banco, pelo lado de dentro, vê que o sujeito está preso naquilo e que é a coisa mais maçante da vida o que ele faz ali. É uma prisão. Então, há um engodo gigantesco no fato de que nós só temos as vantagens nessa coisa em que nós vivemos. Não. Há muitas desvantagens. É que alguns ficam com muitas vantagens e as desvantagens são distribuídas, socializadas para a grande maioria. E como nós não estamos nela, isso fica bom para nós.
            Mas não é verdade que tudo o que foi feito através do sistema de planejamento daqueles países fosse negativo. Mas foi insuficiente, de fato, por várias razões, talvez menos tecnológicas do que políticas. Agora, temos consciência de que não é essa a solução que nos empolgaria mais, Não teríamos o objetivo, talvez maior da nossa vida, de reproduzir um exemplo que tem suas limitações bem balizadas historicamente. Porém, temos que pensar coletivamente que tipo de desenvolvimento e que mix tecnológico podem levar o Brasil a uma sociedade mais equilibrada. Isto é uma obrigação nossa.
            Pensar na tecnologia desta forma significa discutir com as multinacionais a introdução da automação, em que ritmo, e talvez até obrigando-as a fazerem investimentos em setores que absorvam mão de obra. Porque o que acontece é que, em geral, o tipo de serviço que é gerado pela tecnologia mais avançada não se reproduz nos países como o Brasil. É óbvio que quando você substitui o trabalho da esteira rolante com muita participação de operários por uma máquina automatizada, você tem o problema da máquina, o programador dos computadores, o ‘bolador’ dos softs que são implantados permanentemente, enfim, há um trabalho intelectual que vem atrás. Mas a grande parcela dele não é feita nos países como o Brasil, que têm uma infraestrutura educacional muito pior, que têm condições de reprodução dessa tecnologia muito mais precárias, e sai caro.
            Então, é muito mais fácil que as grandes multinacionais, ao implantarem a tecnologia avançada no Brasil, desloquem empregos na produção direta e gerem empregos na concepção, fora do Brasil. Assim, é necessário uma política para que haja compensação. Para que, se a empresa tem interesse no mercado brasileiro, ela tenha também essa preocupação, de que se há um contingente empregado, a adoção de maquinas mais eficazes deva ser pensada com expansão de certas atividades que possam gerar empregos. Isto não é simples, porque nem nos países mais avançados isto se dá com muita simplicidade.
            Na agricultura brasileira ou mundial se fez aquilo que se vê, por exemplo, fazendo uma viagem entre Uberlândia e Uberaba: o deserto do campo. Viaja-se, talvez, cinco quilômetros seguidos sem ver uma pessoa; só se vê soja. E de repente aparece um enorme trator ou uma enorme colhedeira com algumas pessoas, pouquíssimas. A agricultura modernizou-se expulsando boa parte de população rural para a periferia das cidades, para as favelas do Rio de Janeiro, para as cidades-setélites de Brasília.
            Hoje, estamos fazendo a segunda expulsão, de dentro das fábricas. Isto precisa ser pensado com muito cuidado. Senão, estamos gerando uma sociedade inviável, ou uma sociedade que será, fatalmente, a mesma sociedade da droga. Eu ouvi no Peru, dentro do Ministério das Relações Exteriores, num seminário, de uma autoridade do Ministério, falando dentro do Ministério, que não se podia combater a droga radicalmente no Peru porque era o grande elemento de exportação que o país tinha, muito valorizado. Cocaína é o melhor produto do Peru e da Colômbia.
            É uma realidade! Se não pensarmos muito naquilo que um país como o Brasil tem pelo futuro, que dose, que mix tecnológico, que projeto para o país deve ser viabilizado – como combinar as possibilidades que a ciência oferece através da tecnologia para a produção com a necessidade de arregimentar pessoas para o trabalho, para os empregos, estaremos no caminho que levou a essa situação. E não estamos muito longe disso.
            Trago a vocês, portanto, menos a alegria da tecnologia, o pedido de mais verbas para nossa atividade, e muito mais, num lugar que se propõe a um pensamento inquieto, essa preocupação: fujam do ‘oba-oba’! Desconfiem de tudo que todos dizem! A unanimidade, geralmente, é ‘burra’. O bom-senso é melhor, às vezes, do que esses chamados paradigmas que todos seguem sem saber bem por quê. Tecnologia, hoje, é um mercado com forte componente desse tipo. Temos que gostar dela, ma lista de modernidades, privatização, tecnologia, liberalismo... sem falar de fome, miséria, desemprego, etc.

Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.

SUGESTÕES DE LEITURAS
O dilema da sociedade tecnológica – Max Lerner. Vozes, 1971. Petrópolis.

Política de Ciência e Tecnologia para a década de 90 – Vários autores, CEAD/Ed. UnB, 1989.



quinta-feira, 21 de junho de 2018

Tecnologia 1 por Luis Pinguelli

Desculpem o atraso...

Divulgando...
Boa tarde povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!

 CONTINUANDO...


            A ideia de ciência de Francis Bacon, no século XVI, era a de que a ciência pode “aliviar o pesado fardo da existência humana”. E Galileu a colocou em prática de uma maneira pensada, fazendo uma ciência que interferia na natureza (o plano inclinado de Galileu não existe na natureza, naturalmente, exceto em situações muito raras...). Mas o plano inclinado de Galileu é fabricado pelo homem, a física do Galileu é a física humanizada, não é da natureza, tal como ela é. Até os satélites dos planetas que ele consegue observar, ele o faz porque tem a luneta. Não é o olho humano olhando a natureza. É o olho humano potencializado com a luneta, que complementa o olho humano. Portanto, é um processo que já vinha da revolução neolítica, ou de antes da descoberta do fogo pelo homem, mas que foi violentamente acelerado pelo uso do conhecimento científico para intervir na natureza, e é isto que hoje vemos no bojo da tecnologia e num enorme estreitamento de tempo entre ciência e técnica.
            Para termos uma ideia de tempo, as ondas eletromagnéticas foram teoricamente preditas. Existem as ondas eletromagnéticas artificiais e as onda eletromagnéticas naturais como são a luz, as irradiações térmicas os raios gama, os raio-X dos átomos; mas refiro-me aqui, principalmente, às ondas eletromagnéticas artificiais como as ondas hertzianas das telecomunicações. Essas ondas foram descobertas após um teórico da física, Maxwell, formular equações que ninguém podia imaginar que continham essa predição: que o homem poderia produzir essas ondas. Isso ocorreu em 1864 (talvez eu erre da data, mas é por aí). As equações de Maxwell era teóricas: as ondas que ele previa só foram produzidas por Hertz alguns anos depois.
            Entretanto, a potencialidade das ondas eletromagnéticas se realizou apenas no nosso século, e mais ainda nas últimas décadas. Embora o telégrafo sem fio já as usasse, mas era uma coisa absolutamente mínima. Realmente, as telecomunicações ganham a dimensão que têm com o rádio, em primeiro lugar, em segundo com a televisão, terceiro, com a telefonia sem fio, quarto a telecomunicação por satélite, que agora permite usar o faz, as redes de computadores interligadas. São instrumentos poderosíssimos desta revolução tecnológica que se costuma chamar de Terceira Onda ou Terceira Revolução, mas que de fato é uma Revolução Tecnológica.
            É difícil balizar o tempo das revoluções. Talvez possamos dizer que no mundo houve algumas revoluções no campo da produção, da organização social. A primeira Revolução Agrícola foi a Neolítica, quando o homem surge como ser social de fato, que pode se libertar da caça e pode plantar e domesticar animais, portanto, um pequeno contingente permite sustentar um contingente muito maior de pessoas e agora a ociosidade, que é a mão de muitas coisas: do chefe, da dominação pensada e elaborada. Não a dominação da força bruta, mas do intelectual, portanto, de gente, como nós universitários que ficam sentados pensando e organizando em vez de trabalhar executando. O do sacerdote, que é o antecedente, antropológica ou historicamente falando, do cientista que imaginava coisas. O cientista tem muito mais de sacerdote do que muita gente pensa. É o sacerdote pensando no que causa a trovoada, o relâmpago, o antecessor do cientista. Por outro lado se o cientista não tiver um pouco de mágica e imaginação no seu pensamento, não vai produzir alguma coisa criativa olhando as tabelas tediosas sobre os fenômenos, calculando coeficientes que não servem para coisa alguma.
Mas, voltando ao ponto: teve a Revolução Agrícola e a Revolução Comercial, associada ao surgimento do capitalismo dos Estados Nacionais, da capacidade de o homem fazer trocas e usar a moeda em larga escala. É o surgimento da burguesia, cada vez mais importante na sociedade, deixando aos reis e aos nobres o negócio da guerra, e cuidando ela dos negócios do comércio e da produção. A Revolução Industrial foi muito ligada à Revolução Científica que houve no século XVII, A revolução industrial é a revolução da produção, da máquina a vapor, do aço, do ferro, da eletricidade, do petróleo. E a Revolução Tecnológica, que é essa revolução do nosso século é a revolução do uso do conhecimento científico, do controle da natureza (se [não] quisermos chamar de revolução, podemos chamar de onda; pode ser chamada pelo que cada teórico quiser para vender livros, para dar aulas, para fazer teses, tanto faz). Mas o que é interessante é que enquanto entre as ondas eletromagnéticas descobertas em 1864 e sua plena aplicação demorou um século quase, mais de cinquenta anos sem dúvida, nós vemos a fissão nuclear se descoberta na década de 1930, e já, na década de 1940 ser aplicada nas bombas em Hiroshima e Nagazaki iniciando o uso dessa tecnologia. No transcurso de uma década, e não mais de um século. Nem me cinquenta anos.
            Hoje, na biotecnologia, sabe-se que há inventos, há descobertas feitas em laboratórios que têm uma aplicação quase que imediata. Portanto, a tecnologia tem, hoje, um papel muito importante. Aquelas questões colocadas no início não são para exorcizar a tecnologia, e voltarmos todos a uma convivência primitiva com a natureza. Isto é impossível com a atual população mundial. Não há mais base de sustentação para uma sociedade não-tecnológica. E se houvesse, as pessoas não aceitariam. Experimente falar para uma pessoa normal (não um intelectual embevecida com ideias) que ela não precisa mais de televisão, que é bobagem tudo isso, vamos deixar a eletricidade de lado! Com certeza ela não vai votar em você, se for candidato. Não faça campanha dizendo isso. “Não voto. Esse é um louco varrido, vai tirar a minha televisão. A única coisa que eu tenho na minha casa é uma televisão que me diverte. Como vou ficar? Olhando a geladeira?”
            Então, as pessoas querem a tecnologia. A tecnologia está aí. Temos que ver esse problema como realidade. Acredita-se que ela resolve tudo e que temos que nos dobrar a ela. Não interessa se importando, desenvolvendo, ou o que seja, mas é preciso ter sempre a melhor tecnologia. Isso é uma bobagem. Esta é a bobagem que conduz a que todos devam ter aqueles carros que estão vendendo agora, porque eles têm um coeficiente aerodinâmico pronto para 250 quilômetros por hora, mas não se pode ultrapassar os 100 ou 120 quilômetros porque ele sai pela tangente. Para que essa tecnologia? Pega um Uno Mille e anda do mesmo jeito no trânsito engarrafado de São Paulo. É uma tecnologia muito pior, menorzinho, mas muito mais razoável, ocupa menos espaço.
            A ideia de usar maior tecnologia é uma estupidez. A tecnologia tem de ser pensada como o homem e a sociedade organizada querem. E essa coisa do liberalismo do mercado, da sociedade por si mesma, é outro dogma de uma estupidez que seria total se não fossem os desonestos que vivem disso, e ganham muito dinheiro com isso. É preciso pensar qual tecnologia e para quê. É perfeitamente correto usar a melhor tecnologia possível em atividades determinadas que necessitam de grande competitividade se vão, por exemplo, para o mercado internacional. Podemos usar uma outra tecnologia para manter uma base de emprego maior, para um país onde o emprego é um problema. Não estamos no Japão, afinal de contas estamos no Brasil. E aplicar um modelo japonês e a maneira dos japoneses de pensar a tecnologia, no Brasil, pode ser uma atitude inadequada. Nem sempre o que dá certo no Japão serve para o Brasil.
            Agora. Há outros problemas. Por exemplo, o programa do álcool no Brasil. É uma tecnologia muito antiga que deve ser melhorada. Pode-se pensar em desenvolvê-la; isso é sério. Pode-se usar muitas coisas, como ciclo combinado de co-geração de energia elétrica nas destilarias para aproveitar muitas tecnologias que estão em desenvolvimento. Mas o álcool em si é plantar cana, colher cana, carregar a cana, esmigalhar a cana, fazer um fermento e dali sair alguma coisa que melhor usada se bebe, pior usada se põe nos tanques dos carros.
            Agora, é claro que existe, hoje, a tecnologia dos combustíveis que têm melhor performance para certos efeitos. Os automóveis internacionais são projetados pensando nesses combustíveis. Mas, é certo o Brasil abandonar o Programa do Álcool? Talvez fosse por outras razões, mas se é para manter a frota de automóveis que aí está, não creio que seja correto. Porque o programa do álcool emprega quinhentas mil pessoas, embora enriqueça cinquenta grandes latifundiários produtores de álcool. Mas, já que gera emprego para quinhentas mil pessoas é uma outra alternativa. Temos mesmo de pensar é que não é ideal que haja cinquenta capitalistas se enriquecendo para quinhentas mil pessoas trabalharem, até que se consiga aumentar o número de propriedades pequenas que possam produzir o álcool, o que é uma coisa muito difícil.
            Agora, se por razões tecnológicas chegarmos à conclusão de que o Banco Mundial recomenda: abandonem o álcool, como coisa atrasado, e vamos para combustíveis de alto poder calorífico como está se padronizando nos países avançados, como a gasolina de alta octanagem. Mas no Brasil existe essa necessidade de geração de empregos. E além do que, nós andamos com automóvel a álcool também. Acho que isso não significa que a questão tecnológica não deva ser aplicada à melhoria da produção do álcool, ao barateamento dos custos que são excessivos.
            Outro exemplo brutal da tecnologia, e que, portanto, podemos perceber com mais nitidez, é o da geração da energia elétrica. O Brasil tem enorme potencial hidrelétrico. A geração de energia elétrica é uma tecnologia bastante antiga. Nas primeiras décadas do século a maioria dos problemas da geração hidrelétrica foram resolvidos, embora haja muita tecnologia de controle de transmissão, corrente contínua, enfim, uma série de técnicas que a engenharia vem incorporando. Mas, na essência, a geração hidrelétrica é uma tecnologia bem dominada. Mas o Brasil tem um grande potencial hidrelétrico, que outros países não têm. Por que então teríamos, como fizemos com o acordo com a Alemanha, de adotar e energia nuclear? Por que é mais moderna, mais nova? Mas existe a radioatividade, o perigo de acidente nuclear. A tecnologia mais nova também tem sérios problemas, embora tenha realmente a possibilidade de num prédio muito pequeno gerar mais energia que uma enorme barragem, que inunda, e traz muito mais transtorno para muita gente.
            Mas no nosso caso, a energia nuclear não deu certo. Gastamos sete bilhões de dólares e tivemos zero kilowatt com o acordo firmado com a Alemanha. Naquele tempo os ‘sábios de Sião’, modernizadores da época, chegavam a elogiar os generais com o avanço, da tecnologia nuclear.
            Agora há outros mitos nesta mesma área, que eles chamam clean technology (tecnologia limpa). É o seguinte: tecnologia para limpar a sujeira que a própria tecnologia produz. É como se fossemos a uma loja comprar três quilos de lixo e uma vassoura para limpar tudo. Clean Technology é isso. Vendem usinas poluentes e os equipamentos de despoluição. Compra-se uma usina a carvão, bem imunda, e compra-se depois um limpador de sujeira do ar, enorme, o dobro da usina, pelo dobro do preço. Isso sim, é que é coisa moderna, E paga-se consultor estrangeiro para estudar isso e aquilo.
            Estou dando um exemplo gritante dos absurdos do mito da tecnologia, para fugir desse mito. Mas não podemos escapar do problema. Eu dei exemplos simples das grandes burrices nacionais e das grandes patifarias nacionais. Mas há coisas muito mais complicadas. A automação é uma delas: a substituição do trabalho. Não só da secretária. Hoje numa universidade americana, ficamos impressionados como reduziram os setores de apoio de qualquer departamento. Não há mais. Cada um bate o seu paper. Á uma secretária: do chefe! Mas não há mais ninguém batendo paper. Não tem mais secretária para bater paper, que saiba bater aquelas fórmulas, sinal de integral, de análise vetorial, etc. Isso é irreversível. É muito difícil acharmos que, no Brasil, vamos ter uma coisa diferente, porque estão aí os micros, que são muito mais eficazes do que a pessoa que vai trabalhar.
            Essa questão dos computadores na vida das pessoas é uma questão irreversível. Não dá para ter ilusões. E isso é desemprego para muita gente. E não é só para datilógrafa, é também para engenheiro. Mas o que antes se fazia com uma equipe de calculistas, um soft pronto num sistema permite que seja feito por um analista de sistemas, às vezes com conhecimentos de engenharia, nem sempre tão bons. Isso é uma questão muito séria. Nós temos que enfrentá-la criando oportunidades de trabalho para as pessoas que são deslocadas em todos os níveis da produção, no caso da automação, aumento da produtividade industrial, que também se dá de forma irreversível nas indústrias de ponta. Dificilmente poderíamos evitá-la, embora possamos controlá-la e definir ritmos, por intervenção do Estado, junto com as organizações sindicais.
            Acho ilusório pensar que possa haver solução para problemas desse tipo, onde essa tecnologia vai entrando de forma acelerada, sem um instrumento que tenha algum poder, que obedeça algumas regras coletivamente estabelecidas. Seja qual for a estrutura de cominação da sociedade, algum tipo de norteamento se faz necessário. Essa é a nossa questão.
CONTINUA NA PRÓXIMA QUARTA...
Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.




sexta-feira, 15 de junho de 2018

Tecnologia por Luis Pinguelli


Divulgando...
Boa tarde povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!




GUETO DO PENSAMENTO INQUIETO
TECNOLOGIA
LUIS PINGUELLI ROSA - Físico, Professor, Coordenador do Fórum Ciências e Cultura da UFRJ
O Pensamento Inquieto (Curso de Extensão Universitária a Distância). Organização de Clodomir de Souza Ferreira, João Antonio de Lima Esteves e Laura Maria Coutinho – Brasília: CEAD/Editora Universidade de Brasília, 1993. (pp. 53 a 64).
QUESTÕES PARA RELFEXÃO
A sociedade atual é profundamente marcada pela tecnologia, em todos os seu aspectos. Mas as “grandes soluções” que ela oferece são sempre positivas? Todas as pessoas são democraticamente beneficiárias da tecnologia? Quantas pessoas no mundo jamais entrarão num avião, ou utilizarão água tratada como bem indispensável à sua saúde? Quais as relações da Tecnologia com o desemprego e com a degradação do meio ambiente? Neste texto, o professor Pinguelli Rosa lembra que não é mais possível, hoje, uma sociedade não-tecnológica, mas é preciso encontrar meios através dos quais a sociedade possa decidir qual tecnologia é realmente necessária, para que ela servirá, e que outras consequências indesejáveis ela pode acarretar. O homem deve ser obrigado a usar uma determinada tecnologia apenas porque ela é considerada melhor ou inevitável por quem a produziu?
1          A tecnologia é uma questão que tem de ser vista por ângulos muito diversos. Em primeiro lugar, é cada vez mais claro e objetivamente comprovado que as inovações tecnológicas, em curso em todo o mundo, deslocam o trabalho. Estamos numa fase em que aceleramos muito o processo de substituição do trabalho humano pela máquina, ou seja, a redução do trabalho humano para uma dada produção.
2          Quando falamos em tecnologia, hoje, pensando na tecnologia avançada que está no mercado e m diferentes graus, devemos pensar que ela envolve automação, substituição de matérias-primas naturais por produtos sintéticos, redução de intensidade energética e mesmo de consumo de matéria-prima na produção. E tudo isso coloca países como o Brasil em desvantagem. Dentro do modelo adotado, de desenvolvimento, para o bem ou para o mal, uma vantagem comparativa de países como o Brasil seria dispor de recursos naturais, mão-de-obra suficiente, excessiva até; ter o nível de emprego que se teve no país, ter mão-de-obra barata, e explorada; e, também, ter energia entre os recursos naturais em particular, no que toca à energia hidrelétrica razoavelmente abundante e barata. Tudo isso, hoje, é questionável. As indústrias de automóveis usam muitos robôs. Os escritórios usam muito o serviço automatizado com computadores. Os processadores de textos permitem economizar secretárias. A telemática, o uso do fax, permite economizar boy para a comunicação.
3          Enfim, estamos numa fase onde a tecnologia está associada ao desemprego. E isto não pode ser disfarçado com frases de efeito. Afinal de contas o novo, o moderno, o desemprego que é produzido pela adoção das novas tecnologias é compensado pelo emprego que a própria tecnologia gera no setor terciário. Isso tudo é um discurso muito mais que uma realidade.
            Não podemos deixar de estar, hoje, inquietos com esse problema. É um erro muito grande e até com uma espécie de atitude justificada, explicada, psicanaliticamente, como autodefesa, como autoproteção mental, a ideia de que o tempo caminha de uma maneira na qual o futuro significa progresso, algo melhor.
            Eu acredito que, a longo prazo, isso seja verdade. Não longo demais. Segundo teorias da física, o Sol vai consumir completamente sua massa e vai acabar, não vai ter mais luz, não vai ter mais vida. A vida é transitória na Terra. Isso não é religião, é ciência.
            Então o futuro, a longuíssimo prazo, não existe para a humanidade. Mas um prazo, que é o que discutimos como longo, é positivo, no sentido de termos melhores condições materiais de sobrevivência, organização política mais adequada à expressão das diferenças, alguma forma de organização democrática e social. A expectativa de vida aumenta, embora novas doenças se coloquem, mas de qualquer modo, como todos os horrores da AIDS, ela é menos grave para a humanidade do que foram a tuberculose e outras infecções que levavam fatalmente à morte. Até uma simples gripe forte costumava fazer isso. Dessa forma, a penicilina é um avanço inegável do conhecimento científico.
            A possibilidade de fazermos uma viagem à Europa, aos Estados Unidos, ou a uma cidade distante do próprio Brasil e da América Latina, rapidamente, é um avanço tecnológico. É bem verdade que ele é restrito a um pequeno número de pessoas, que pode, durante a vida, entrar num avião. As pessoas da classe média costumam perder essa dimensão da exclusão, da diferenciação social. A grande maioria das pessoas que vive neste país, e a grande maioria do mundo, não entrará jamais num avião. Nem pensa nisso! Não passa pela cabeça. O avião é um objeto que passa pelo céu, voando, e pouso em algum lugar.
            Mas, de fato, vamos incorporar o avião como um avanço tecnológico que está aí, e pelo menos uma fração da população o usa, e, às vezes, com objetivos muito meritórios. O avião transporta socorro para as vítimas das enchentes, professores que podem ensinar em lugares distantes, médicos, técnicos. Portanto, iniciativas são tomadas graças à viagem que os aviões permitem, além do prazer que a classe média possa ter através do avião, como o transporte para fins turísticos, Mas eu estou dando exemplos de que existe um componente muito positivo nos avanços tecnológicos.
            O mais dramático hoje é a questão do emprego. Mas há outras questões. A questão da poluição ambiental associada à tecnologia é real. Nós já temos consciência disso, de duas décadas para cá, em particular na última década.
            A questão ambiental é importantíssima e repetir isso no ano do meio ambiente seria até supérfluo, mas não é o maior problema da tecnologia. A tecnologia provoca problemas ambientais gigantescos, que estão sendo equacionados, porque atingem a sociedade como um todo. Se o reator de Angra dos Reis sofrer um acidente grave, o milionário dr. Pitanguy terá sua maravilhosa ilha prejudicada. E isso é garantia suficiente para que se procure equacionar o problema do reator nuclear de Angra dos Reis de alguma forma, ainda que ele tenha os seus perigos, inevitáveis. Esta contradição não tira a gravidade dos riscos tecnológicos para o meio ambiente.
            Agora, se a indústria automobilística vai produzir um automóvel com um número cada vez menor de operários, e esses operários não encontram trabalho porque não há crescimento do mercado na devida proporção, ou se nós nos encaminhamos para ser uma sociedade de manicures, de tomadores de conta de automóveis em estacionamentos, isso afeta as classes menos favorecidas da sociedade. Portanto, não é um problema prioritário, e por isso não está equacionado.
            Esse não é um problema exclusivamente brasileiro. Existe uma teoria de que há um grande processo de colapso em toda a nossa civilização, que começou na crise econômica do Terceiro Mundo. Isso é muito pouco esclarecido pela imprensa modernizante, pelos apaixonados do Primeiro Mundo – que essa crise deixou a economia de países como o Brasil numa situação muito difícil. A situação da América latina é, em geral, muito difícil. Há exceções como o Chile, que não são convenientemente explicadas até que ponto são exceções, até que ponto dependem de uma certa política aplicada. Fazendo uma caricatura, talvez seja necessária uma violência política suficientemente dosada e intensa como no Chile, que ultrapassou a todos os outros países em número de mortos pela tortura, horrores do cárcere político, para se chegar ao liberalismo econômico. Ou seja, o liberalismo econômico seria, nesse caso, o filho da ditadura política, a fim de criar as condições sociais de aceitação de determinados princípios contra os quais os movimentos sindicais reagem.
            Mas não vamos nos ocupar deste aspecto. Empiricamente, o que se verifica é que nos países da América Latina a situação se prolonga numa recessão muito difícil, ou numa estagnação, ou num crescimento muito reduzido. O Brasil é o exemplo claro – não é a exceção, é a regra. Na África, a situação de retrocesso econômico é dramática. E os países socialista atravessaram um crise que levou a desfazer a União soviética e a desmontar o Leste europeu.
            Essa teoria diz que a crise não é do socialismo apenas, não é do Terceiro Mundo apenas. É a crise de um sistema global, que começa a atingir também os países desenvolvidos. Sabemos que nos Estados Unidos há um debate muito grande sobre esse tipo de problema, sobre o desemprego estrutural devido à tecnologia. E que não se tem uma solução clara para ele. Então, estamos vivendo hoje um problema da tecnologia. É preciso examiná-lo com coragem, sem vergonha de admitir que nem sempre o futuro é naturalmente melhor que o passado. As pessoas que estavam na Europa às vésperas da Segunda Guerra Mundial, na década de 1930, viviam a ascensão do nazismo. O futuro para elas era muito pior do que aquele presente.
            Agora, por outro lado, acredito que entre as crises teóricas que estamos vivendo, onde a questão tecnológica é um mero aspecto, há uma crise do determinismo, inclusive nas ciências da natureza, que é essa causalidade mecânica que a física passou para todas as ciências, chegando às Ciências Sociais. E que se não há esse determinismo. Talvez possamos até assumir uma postura de maior responsabilidade sobre aquilo que venha a acontecer, aquilo que possa suceder na nossa sociedade. Então, [é] a nossa ação política que pode mudar o curso da História. Não apenas como uma perturbação pequena, dentro de uma diretriz determinada. Talvez se possa mudar muito mais.
            Portanto, a discussão sobre a organização da sociedade, a política partidária, toma um aspecto muito mais importante. Podemos ter mais esperança para enfrentar os problemas. Mas é preciso tomarmos cuidado para não cairmos no canto da sereia de que tudo que é moderno é bom; de que a tecnologia deve ser sempre adotada, porque ela, por hipótese, é favorável, dá mais possibilidades. Sim, não podemos evitar que, na produção, haja mudanças tecnológicas. Mas podemos pensar quais mudanças tecnológicas. E não temos que sacrificar o homem à maquina. Não temos que nos regozijar com o aumento de produtividade, se esse aumento de produtividade significa aumento do desemprego. Isto não é ser moderno! É ser irresponsável socialmente, e infelizmente isto está sendo ensinado e divulgado.
            Colocada nestes termos, a questão tecnológica deve ser enfocada, em um país como o Brasil, com muito realismo, Ele é muito importante! Se de um lado não se pode endeusá-la num altar, onde todos vão se ajoelhar no culto da produtividade, da qualidade e de outras palavras-chave do marketing do capitalismo tal como ele se desenvolve no mundo todo, de outro, devemos olhar a tecnologia como um instrumento que o homem tem para se relacionar com a natureza.
CONTINUA NA PRÓXIMA QUARTA...
Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.




quinta-feira, 7 de junho de 2018

Justiça 2 por Roberto Aguiar


Divulgando...
Boa tarde povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!


CONTINUANDO...

            Às vezes eu fico olhando o Collor e seus atabalhoados companheiros, me fazendo lembrar o início do Mercantilismo, onde as teorias econômicas diziam que a origem da riqueza está na intermediação da mercadoria. O lucro na intermediação, e não na produção, é que levaria ao enriquecimento. E quem era o lucro do Mercantilismo? Era o pródigo! E quem era o pródigo? Tanto é que há um grande compositor Renascentista que fez uns madrigais maravilhosos, chamado Gesualdo. Ele escreveu tudo preso numa torre, porque ele era pródigo. Por que ele era pródigo? Gastava mal o seu dinheiro! Então o louco do Mercantilismo, que até hoje existe no nosso Código Civil, a figura do pródigo, que se chama curatela dos pródigos. Interessante observar: se o marido bate na mulher, escondido, faz as maiores crueldades, ela não consegue desfazer aquele casamento. Mas se eventualmente ele começar a gastar mal o patrimônio da família, aí sim se invoca a curatela dos pródigos e podemos até separar o casal, embora a mulher fique lá tomando conta dele, como curadora dos bens, porque no Direito Brasileiro os bens valem mais que as pessoas. Basta vocês passarem uma olhada no Código Civil para verem que são 32 variações sobre o Direito das Coisas. Basta vocês olharem o Código Penal para verem que a maioria dos delitos são contra o patrimônio. Contra as pessoas são três capítulos, e só. O resto é tudo contra a coisa. Para sentir que na visão dessa falsa liberdade, na visão aética, do lucro, o único padrão ético é a vantagem do lucro. Faz-me lembrar o Mercantilismo redivivo em outro patamar. E, de mais a mais, a questão da paixão perdida, porque no fundo o sentimento morreu.
            Costumo dizer, e talvez isso não tenha nenhuma exatidão, que somos criados para o sentimentalismo, e muito mal-criados para o Amor. A gente chora! Nunca me esqueço, que fui ver um filme a história de uma criança sofrida e tinha uma senhora do meu lado que chorava desbragadamente. E me atrapalhava, porque ela soluçava. Então terminou o filme, e ela estava com uma menininha que pediu-lhe algo, e ela deu-lhe uma pancada!


            Isso é sentimentalismo. Somos tomados pela emoção da circunstância, mas não nos emocionamos com aquilo que é permanente, que é essencial. E isso é a morte da paixão, é a morte do sentimento.
            E sem paixão de Justiça não há possibilidade de uma reflexão mais clara e de uma ação mais concreta.
            E, finalmente, há um eixo ético, que é [o] seguinte: no fundo, temos vários tipos de ética, e não vamos analisá-las. Mas, grosso modo, eu queria colocar alguns pontos, alguns tipos de ética que baseiam os valores da Justiça.
            Há uma ética de conformidade. Isto é, eu sou justo porque obedeço as leis e obedeço o governo. E isso é importante: quem faz os padrões do meu justo não sou eu, são os outros, é o Poder. O Poder é o outro. Eu vivo conforme os padrões de justo estabelecidos pelo Estado ou pelos poderes constituídos. E me sinto justo por causa disso. É o que eu chamo a ética da conformidade.
            Depois há uma ética do equilíbrio individual. Uma ética típica do comerciante, do negociante, do industrial, das multinacionais, que fazem a retórica da igualdade e a prática da desigualdade. Isto é, todos os atos devem ser equilibrados. Direitos e obrigações devem ser medidos de uma forma que ninguém saia do padrão. E é aí que vem o aspecto fundamental em termos de Justiça, em que vale a pena pensarmos. Aquela concepção, também imbecil, que praticamente muitas pessoas assumem: “A virtude está no meio.” A virtude é uma mediatriz de um segmento. A virtude é “não ame muito, ame médio”. “Não se engane muito, se engane médio”. “Não odeie muito, só um pouquinho”. Em tudo você tem que ser equilibrado. Em meu ponto de vista, e certamente vocês podem discordar, a virtude está no extremo. Não há virtude sem o risco de uma atitude extrema. A História só mudou com atitudes extremas. Apontem alguém com virtude no meio, ou um grupo social com virtudes no meio, que tenha feito alguma coisa na História? Estou esperando exemplos. Não vêm! Mas a virtude está no meio, por essa ética do equilíbrio.
            Em terceiro, é a ética dos avanços sociais. Essa ética, trazida principalmente pelos pensadores e pelas lutas dialéticas na História, é de alta importância. Isto é, o padrão de reflexão, são coletividades desiguais e exploradas e exploradoras, que devem encontrar formas de superação disso tudo. É a ética da busca de valores de uma igualdade concreta. Mas, mesmo esta ética apresenta problemas, porque no fundo, hoje, o ser humano aparece como muito mais complexo. Ainda [há] uma certa visão de dialética está marcada pela abstração de que nós falávamos anteriormente. Nós trabalhamos com o ser humano como pertencente a grandes categorias, a classe social, a sociedade, e esquecemos da concretude. Esquecemos aquilo que Foucault lembrava, que a história também é feita na cama dos casais, na cozinha das casas. Não que seja aí a determinante de história. Mas é aí que se concretizam as dominações. A busca do circunstancial como tradução disso. Se não assumirmos esse aspecto vamos falar em abstração. Então, há necessidade de que um outro ser humano bem mais complexo seja o objeto da reflexão, sobre a questão do justo.
            Nossa sociedade, com essa cegueira, com essa insensibilidade, não vê as grandes disparidades, nela a morte vale mais que a vida e a velocidade é critério de desenvolvimento.
            Vocês já perceberam, no senso comum se diz assim: os Estados Unidos são mais evoluídos que o Brasil. Por que? Porque eles têm mais tecnologia. Por que? Porque dão respostas mais velozes. Faz lembrar um trabalho muito sério chamado Guerra Pura, que trata justamente dessa questão: a velocidade como critério de “progresso”, de humanização e que, no meu entender, a velocidade nada mais é do que um braço indireto da militarização. É a militarização social. A eficácia, a estratégia, ou seja, os ‘gools’, os objetivos, as conquistas, basta ver os livros de administração que se tornaram grandes livros de batalhas. A sociedade é uma guerra!
            Ora, dentro disso, que indicadores percebemos para a Justiça? Tenho a impressão que nesse caldo e com essa história algumas coisas nós precisamos refletir, alguns valores nós temos que buscar. O desafio que nós temos em termos de Justiça é o seguinte: como procuramos práticas sociais que valorizem a vida e diminuam a morte? Isso é algo de uma clareza meridiana. Não o direito à vida abstrata. Nos códigos percebemos que o direito à vida é dado assim: “Não se pode matar ninguém”. Está lá no artigo 121 do Código Penal que coloca isso como homicídio. Mas, depende. Na paz, você não sendo autoridade, não pode matar. Na guerra, se for militar, quanto mais você matar mais você se dobra ao peso das medalhas de honra. Se você for policial, você está no estrito cumprimento do dever legal quando mata 15 crianças que estão perturbando a segurança das grades dos jardins da burguesia.
            Então, é a relatividade da defesa da vida. O que significa preservar a vida numa sociedade desigual, miserável, numa sociedade onde as dominações estão presentes? E colocaria outra questão dentro disso, como ficamos nessa visão abstrata de ser humano, como delegamos ao Estado poder de definir o justo, não temos a possibilidade de refletir sobre o justo. Uma pergunta que os judeus faziam, os romanos faziam, os gregos faziam, uma pergunta estranha que não está nem dentro do nosso vocabulário: eu sou justo? Você vai aos textos gregos, e eles dizem assim: eram justos. Você vai aos textos romanos, eles dizem da mesma coisa: eram justos, ou eram injustos. Até em alguns textos medievais. Alguém já falou para vocês: eu sou justo, ou eu sou injusto? Me parece que o critério do justo, nesse processo de abstração, também se tornou algo que não é nosso. A Justiça é social, é do Estado, é da estrutura. A Justiça parece que não está em nós. Mas essas coisas se referem a nós. Parece que nós nos elidimos dessa estrutura.
            Outro ponto que também vale a pena pensarmos: a questão da Paz. Não a paz no cemitério de Perus. Não a paz imposta pelo conformismo, pela alienação, a paz da Rede Globo. Mas a paz que se conquista! A paz que é igualdade entre os homens, que é reconhecimento entre os homens, a paz que é condição de plenificação do Ser Humano. Pensa-se concretamente nisso? Acredito que não!
            Outro valor que precisamos ver, em termos de Justiça, é o valor da diferença. Somos uma sociedade profundamente preconceituosa. Os diferentes não têm lugar. Lembro-me do Se. Mário Amato, presidente da FIESP, que dizia que a ex-ministra Dorotéa Werneck era uma pessoa muito inteligente, apesar de ser mulher. Os negros são geniais, o Brasil não tem preconceito racial, desde que um negro não se case com a minha filha. Os índios têm uma cultura interessantíssima, há um interesse etnográfico pelos índios, desde que não estejam na minha terra, onde eventualmente tem cobalto, ouro, ou gado.
            Vivemos numa sociedade profundamente agressiva à diferença. Tanto que chamamos os índios de primitivos. Não primitivos porque são diferentes, e sim porque são inferiores.
            Um outro valor é o valor da pluralidade. Temos que buscar a legitimidade concreta das estruturas sociais e das relações pessoais. O que significa a pluralidade concreta? É a possibilidade da democracia, de se admitir a diferença e de fazer que as diferenças concorram para haver uma estrutura mais justa.
            O outro valor, que eu coloco para susto de muita gente, o amor. Precisamos começar a resgatar o amor. Porque o amor é uma questão profundamente problemática. Você falar em amor? Não, este aqui está tendo uma visão do cristianismo ultrapassada. Ou então, falou em amor está negando a luta de classes. Mas será que não há possibilidade de fazer como certas tribos indígenas, que por exemplo passam pentes de língua de pirarucu nas suas peles e dizem: se você tem também essa marca de pente em que fica assim riscadinho, se você tem essa marca de pente na pele você é meu igual, e por isso você tem os mesmos direitos, e eu gosto de você. Parece que no fundo, a racionalidade contemporânea matou algo que Piaget, coitado, trabalhou como louco: matou a afetividade, como se fossem duas coisas estanques. Piaget, na Psicologia da Inteligência, falava na questão da cognição que a intelecção e afetividade, são duas faces de uma mesma moeda, e nós conseguimos recortar isso e dizer: quando eu conheço eu não tenho afeto, quando eu tenho afeto eu não conheço.
            Outro valor, é a dignidade. Retornar do velho sentido de equidade romano, isto é: nós somos dignos porque somos iguais. E no fundo, retomar vários valores que já foram construídos na História e que nós esquecemos: a ousadia, a coragem e a construção concreta da liberdade. Tudo isso é apenas para dizer o seguinte: Justiça é valor, é escolha, é História, é conquista, é fraternidade, é ampliação da visão da sociedade e do ser humano, é ampliação da própria visão do Cosmos e, acima de tudo, é uma grande opção ética. Ela não é um problema frio. No fundo, a grande questão é: perante as circunstâncias da História o que é justo para cada um de nós, e como nós agimos para a concretização desse justo na História. Essa é a questão fundamental.

Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.

SUGESTÕES DE LEITURAS
Aguiar, Roberto A. R. de. O que é justiça – uma abordagem dialética. 3ª Ed. São Paulo, Editora Alfa-Omega, 1993.
La Boéte, Etienne de. Discurso da Servidão Voluntária. 3ª Ed. São Paulo, Editora Brasiliense, 1986.
Heisenberg, Werner. Física e Filosofia. 2ª Ed. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1987.
Anderson, Perry. O fim da história – de Hegel a Fukuyama. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1992.
Rossi, Paolo. A Ciência e a Filosofia dos modernos. São Paulo, Editora UNESP, 1992.



Quem, de verdade, mama nas tetas deste país...