Deposição branca, silêncio da mídia e ameaça ao Partido dos Trabalhadores,
por Roberto Bueno
Este novo impulso de eliminação do PT do cenário
político é bastante elucidativo dos primeiros movimentos e compromissos do
governo de facto que começa a conduzir o país ao arrepio da Constituição e das
instituições.
Deposição
branca, silêncio da mídia e ameaça ao Partido dos Trabalhadores
por
Roberto Bueno
A grande mídia corporativa atenta criminosamente
contra o direito à livre informação assegurado pela Constituição brasileira ao
omitir qualquer referência ou análises sobre a ascensão ao poder de facto
pelo General Walter Braga Netto. Este silenciamento das mais graves notícias do
poder é mantido ainda quando o fato que já ganha manchetes e extensas análises
em jornais estrangeiros e a “deposição branca” começará a apresentar suas
consequências práticas.
Braga Netto é reputado por diversos meios de
comunicação estrangeiros como “Presidente Operacional do Brasil”, condição em
que teria sido apresentado em comunicações informais a outras lideranças de
Estado. O golpe se afirma nos porões da administração e ganhará dimensão na
determinação prática das políticas adotadas. A figura do “Presidente
Operacional do Brasil” inexiste em nossa Constituição e nem as suas
competências exclusivas dispostas no art. 84 C.F. podem ser compartilhadas, o
que evidencia a ilegalidade da opção política adotada de esvaziar a Presidência
sem seguir os ritos legais disponíveis devido a mero cálculo e conveniência
política voltada a manter a opção de manter o Brasil distante da estabilidade
democrática.
Ao denunciar o fato não estamos aqui a defender a
posição do atual Presidente eleito, pois sou dos mais contumazes e ácidos
críticos de tudo quanto ele representa, aríete do genocídio da população
brasileira operacionalizado através de declarações e ações transmitidas por
todas as mídias. Sem embargo, tratar com a realidade é uma imposição para
qualquer análise, e ela aponta unicamente apenas para esta conclusão: estamos
vivendo sob um novo golpe de Estado. Este apenas ratifica uma vez mais um
exemplo histórico de que a direita e a extrema-direita mantém-se inamovíveis em
seu desapreço e descompromisso radical com as instituições democráticas que
caminham juntas com as armas que teimam em não submeter-se ao princípio-mor da
democracia de que o povo é quem manda. Sofrem de incurável demofobia.
A gravidade da situação é evidente e salta aos
olhos. É fato que a organização de eleições para a Presidência da República
seria a alternativa constitucional para a queda do Presidente em funções e
alentadora para a reconfiguração das condições da pacificação política, mas o
principal e real obstáculo é que as armas são avessas a consulta às urnas, que
sempre lhes parece uma visão aterradora para estes controladores do poder no
Brasil que aspiram a eternidade. Todos os democratas e defensores da legalidade
constitucional no Brasil estão cientes de que a única alternativa pacificadora
e reafirmadora da soberania do país implica o regresso às urnas com a permissão
de que todos os partidos e candidatos possam concorrer.
A demofobia da elite unida às armas colocou em
curso um novo regime com o apoio da Vice-Procuradoria eleitoral, que elaborou
parecer apontando para o cancelamento do registro do Partido dos Trabalhadores
(PT). A base utilizada foram as informações oriundas de depoimentos na operação
Lava Jato de que o PT teria recebido recursos de origem internacional, ancorada
na mesma estaca de confiabilidade que os frequentes recursos ilegais que
pautaram diversas operações, tais como longas prisões preventivas visando
delações, conduções coercitivas imotivadas ademais de manter ligação direta com
o DOJ/EUA, em flagrante desrespeito às claras normas que impõe a mediação do
órgão de relações exteriores do Estado. Aproveitando da grave névoa pandêmica,
o emergente e revigorado poder visa eliminar do processo eleitoral o maior partido
popular, uma importante estratégia para consolidar o arco de ação da ditadura
no Brasil, em mais uma mostra da anunciada estratégia militar de aproximações
sucessivas, embora mantendo na superfície a aparência de funcionamento das
instituições e da vigência da legalidade democrática, tal como tentado após o
golpe de Estado de 1964.
Este novo impulso de eliminação do PT do cenário
político é bastante elucidativo dos primeiros movimentos e compromissos do
governo de facto que começa a conduzir o país ao arrepio da Constituição
e das instituições, e sob o signo-mor de desprezo ao povo e às urnas que
traduzem a sua vontade política. A grande mídia corporativa já foi novamente
cooptada para a consecução deste projeto, sendo notável a sua omissão a
noticiar este processo que ocorre nas profundezas do poder. Isto reforça a
percepção de que se a imprensa não é livre em muitos países declarados como
alvos do império norte-americano, por outro lado, é fato que nos países
declaradamente capitalistas a grande mídia corporativa é apenas um apêndice dos
interesses econômicos que controlam o poder, seja ele ameaçadoramente armado e
com fuzis apontados diretamente para a população ou não.
É notório que uma marca da moralidade que permeia
os atores deste coletivo de perversos demofóbicos antinacionalistas em momentos
de crise já foi claramente expressa por um importante ministro da ditadura
militar, Jarbas Passarinho, quando ao dirigir-se ao Presidente da República em
apoio ao famigerado e criminoso Ato Institucional no. 5 disse: “Às favas, Sr.
Presidente, todos os escrúpulos de consciência”. Não há qualquer compromisso
com as instituições e com a vontade política popular. Inequívoca prova disto
foi a recente Ordem do Dia alusiva ao 31 de março de 1964, lamentavelmente
assinada pelo Ministro de Estado da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, além dos
Chefes das três Forças Armadas, Almirante Ilques Barbosa Junior, Comandante do
Exército, Gen. Edson Leal Pujol, e o Comandante da Aeronáutica, Ten. Brig. Ar
Antonio Carlos Moretti Bermudez. O teor da nota foi a defesa do golpe de Estado
de 1964 como se em seu núcleo houvesse um átomo de preocupação com a democracia
brasileira, e o primeiro período do primeiro parágrafo já é suficientemente
elucidativo: “O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira”. Mais
uma inequívoca sinalização do desrespeito aos princípios basilares da
democracia.
A imprensa brasileira silencia quanto a este
movimento, também mandando às favas escrúpulos de qualquer ordem quando assim o
recomenda uma aliança conveniente com os segmentos da elite e, sobretudo,
quando o fuzil já brilha lubrificado no horizonte. A imprensa brasileira hoje
omite a substituição material do ocupante do Poder Executivo sem informar ou
indicar o indispensável recurso ao processo eleitoral, nem sequer em remoto
horizonte. Foi concretizado o golpe no golpe de Estado por parte de um
dos segmentos que compõem a trupe de aventureiros. O fato do ocultamento pela
imprensa brasileira uma vez mais evidencia a preocupação de manter as
aparências de legalidade, sem nenhuma referência à Junta Militar que
efetivamente governa, embora centralizando funções em uma só figura. É o que
podemos classificar como “deposição branca”.
Como é praxe nas reais ditaduras mundo afora em
todos os tempos e no Brasil em particular, as notícias sensíveis sobre a
política interna já estão sendo divulgadas no exterior, enquanto a imprensa
nacional permanece atrelada aos seus compromissos, sob os olhares passivos de
seus repórteres e de suas redações. Esta é uma realidade paralela cuja
apresentação pública impõe riscos de perseguições e processamentos de praxe,
pois assim como o praça recebe e executa ordens de atos de extrema covardia,
assim também o subserviente rábula oportunista bem trajado e ocupante de altos
cargos. Estes são apenas a mão executora das ordens das altas patentes, que não
raramente preferem ocultar-se, explicitando o antônimo de uma das virtudes que
não lhes deve faltar. O primeiro ato do novo regime não declarado é contra o PT
e expressão do desprezo absoluto pela vontade política do povo brasileiro,
decisiva manifestação da encruzilhada que precisamos finalmente compreender e
superar: democracia, e jamais farda. Democracia na urbe, nos campos e
nas tribos, à farda, a selva e a defesa da soberania de ataques estrangeiros.
Roberto Bueno –
Professor universitário (UFU). Doutor em Filosofia do Direito (UFPR). Mestre em
Filosofia (UFC). Mestre em Filosofia do Direito e Teoria do Estado (UNIVEM).
Especialista em Direito Constitucional y Ciencia Política (CEC/Madrid).
Pós-Doutor em Filosofia do Direito.
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