MAIS UMA INFELIZMENTE,
LETÍCIA
“Ela saiu atrasada de casa e
pediu dinheiro para pegar um transporte irregular para chegar a tempo no
trabalho.” Disse o marido de Letícia. Ele também contou a esposa
arruma(va) o filho e o coloca(va) na van
para ele ir pra creche. Entre 7h e 7h30 ela vai pro trabalho, depois pra um
curso de pós-graduação, onde retorna(va) pra casa pouco antes da meia noite.
Essa era a rotina de Letícia, essa mãe que conhecia seus direitos, que jamais
pensou que aquela seria a última vez que arrumaria seu filho pra creche...
De casa para o trabalho, do
trabalho pros estudos, dos estudos pra casa e quando sobrava um tempinho ela ia
pra igreja. Ela estava na parada antes das 8h da manhã indo trabalhar, com seu
material escolar embaixo do braço, esperando voltar pra casa meia noite. Para
não chegar atrasada no trabalho, aceitou o que ela acreditava ser um
“transporte pirata” (ou a carona de um “conhecido”, pouco importa).
O que importa é que foi
assassinada porque recusou uma investida sexual. Assassinada por um pai que
tinha acabado de deixar a filha adolescente na escola e ao passar pela parada e
ver a jovem teve um “senso de oportunidade”, retornou e ofereceu o transporte
(ou carona).
É assim que funciona a
violência contra a mulher. Não há roupa, lugar ou idade, a única coisa que a
mulher precisa é ser mulher. Só isso dá ao homem uma sensação de que ele pode
possuí-la, que o corpo dela é um direito de quem quiser usufruir...
Enquanto procuravam por
Letícia, encontraram o corpo de outra mulher no Jockey. E infelizmente, nós que
trabalhamos todos os dias com violência contra a mulher não acreditávamos em
surto ou sequestro. Ninguém sequestra sem pedir resgate (e se formos
sequestradas, nossa primeira e principal preocupação é com o estupro).
Infelizmente esperávamos pelo pior porque sabemos que as mulheres não deixam os
filhos pra trás. Não somos nós que abandonamos a família. E quando uma mulher
com uma rotina tão certinha desaparece e fica tanto tempo sem dar notícias,
sabemos que algo muito ruim deve ter acontecido.
A nossa sociedade está
doente. A violência contra a mulher, dentro e fora de casa, é uma doença que
não vemos a sociedade preocupada em curar. Não estamos seguras em nenhum lugar.
E as pessoas julgam as vítimas, culpam as mulheres pelas violências que sofrem.
As pessoas dizem que é mimimi. As pessoas não conseguem ver que a omissão do
Estado em combater a violência contra a mulher também facilita este tipo de
crime (e todos que a mulher é vítima). As pessoas não entendem que as frases
dos governantes, seja de incentivo ao estupro ou de deboche por outra mulher
reforçam a violência diária que sofremos. Os homens não cometem violência
porque se sentem intimidados, cometem porque tem certeza da impunidade.
Faltam políticas públicas de
combate à violência, como falta também um transporte público de qualidade. Tem
gente que pensa que não, mas até descer numa parada de ônibus antes da meia
noite ao voltar pra casa é perigoso pra gente. Uma rua mal iluminada é
perigoso. As políticas públicas devem ser criadas pensadas na mulher.
E mesmo que esse “suspeito”
tenha de fato matado outras mulheres como parece, não pensem que ele é um louco
insano. Ele é um homem completamente são, uma pai e marido, que não pensou “e
se fosse minha filha ou esposa”? (Porque esse não é um argumento que pára
nenhum abusador de mulher). Ele é um homem que se aproveitou de uma falha do
estado no transporte público e de um senso de responsabilidade da mulher que
não queria se atrasar para cometer esse crime.
Pro assassino, todo o rigor
da lei. Pro Estado, espero que entendam sua parcela de culpa! Pra sociedade que
aponta o dedo pra vítima, mão na consciência! Cada um tem um pouco de sangue
nas mãos.
Eu não a conhecia, mas
quando uma mulher tem sua vida tirada assim, é como se a conhecêssemos, como se
fosse com a gente, um pouquinho de nós morre também... Por isso os meus mais
sinceros sentimentos para a família e os amigos que Letícia deixa.
Não é mimimi. Letícia
presente!
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