O algoritmo desenvolvido por brasileiros para tentar prever e evitar
suicídios
Fernanda Wenzel De Porto Alegre para a BBC News
Brasil - 27 Novembro 2018
Image copyright Getty Images
Image caption Ferramenta é capaz de analisar sinais
de risco no uso do celular
"Alerta vermelho: você corre o risco de
cometer suicídio." Ao receber este aviso no smartphone, o paciente pode buscar
ajuda e evitar o pior. Este é o objetivo de um estudo realizado pela equipe do
Laboratório de Psiquiatria Molecular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
(HCPA) e divulgado na revista científica Plos One.
Os pesquisadores criaram um algoritmo capaz de
analisar textos em busca de sinais de que o autor daquelas anotações possa vir
a se matar. Como paciente fictício, a equipe do HCPA utilizou ninguém menos que
Virginia Woolf, escritora britânica que tirou a própria vida aos 59 anos.
Um dos responsáveis pelo estudo, o médico
psiquiatra e professor Ives Cavalcante Passos, explica que a opção por Virginia
Woolf se deve ao histórico da escritora, semelhante ao de várias pessoas que
acabam por se matar: sofria de transtorno bipolar e ao longo da vida tivera
diversos episódios
depressivos seguidos de tentativas de suicídio.
Virginia Woolf tinha a vantagem de ter uma vasta
produção de textos pessoais publicados, já que escrevia quase diariamente cartas
e anotações em seu diário.
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O algoritmo escolhido foi o mesmo utilizado pelos
e-mails para identificar quais mensagens devem ir para a caixa de spams e quais
devem ficar na caixa de entrada.
O primeiro passo foi "ensinar" o
algoritmo a identificar cartas e anotações relacionadas ao desfecho do
suicídio. Para isso, foram utilizados textos escritos por Virginia Woolf dentro
dos dois meses anteriores à sua morte.
Este corte temporal foi determinado pelos médicos, que
entendem que neste período ela já havia entrado em um estágio crítico para o
risco do suicídio.
Depois que o sistema estava treinado, ele foi
aplicado aleatoriamente em diversos textos da romancista, escritos tanto em
períodos pré-tentativas de suicídio como em outros períodos em que ela estava
fora de risco.
O resultado é que o algoritmo acertou em 80% dos
casos. Ou seja, a cada 100 textos analisados, em 80 ele apontou corretamente o
desfecho: se Virgínia iria ou não tentar se matar nos próximos meses.
Segundo Passos, a ideia é que, no futuro, a mesma
ferramenta possa ser transplantada para um aplicativo capaz de analisar tudo
aquilo que escrevemos no smartphone, como mensagens no WhatsApp e em redes
sociais, e que iria emitir um alerta caso haja risco de suicídio.
Mas o médico lembra que o algoritmo é
individualizado, já que o padrão de escrita de cada pessoa é diferente. Ou
seja, o algoritmo construído para Virginia Woolf funciona apenas para Virginia
Woolf.
Além disso, a ferramenta
só pode ser aplicada em pacientes que já tentaram se matar, justamente porque
precisa ser treinada com base em eventos prévios. Como explica o professor, o
principal fator de risco para suicídio é justamente já ter tentado suicídio.
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Image caption Para desenvolver ferramenta, equipe
usou textos da escritora britânica Virginia Woolf
Mais do que isso, as pessoas costumam deixar sinais
de que vão se matar: "Essa pessoa que dá pistas, que fala que vai se
matar, que escreve uma carta de suicídio, ou o aluno que no colégio busca o
coordenador ou fala pro amiguinho que pode tentar se matar, essa pessoa a gente
tem que olhar com calma. Ela pode realmente se matar".
No futuro, o modelo criado pela equipe de Porto
Alegre poderá se tornar ainda mais preciso pela inclusão de outros fatores de
risco, como o sexo do paciente (no Brasil os homens se matam 4 vezes mais do
que as mulheres), histórico de suicídio na família ou consumo de álcool ou
outras drogas.
O professor não descarta que o aplicativo possa
analisar inclusive variações no fenótipo digital do usuário, como o tom de voz
ao telefone ou a velocidade de digitação.
Para o médico, este tipo de algoritmo deve tornar a
medicina mais preventiva: "Hoje o sujeito chega deprimido no meu
consultório. Imagina que no futuro talvez ele chegue muito antes. Não vamos
tratar o episódio depressivo, vamos prevenir o episódio depressivo".
O trabalho compôs a dissertação de mestrado de
Gabriela de Ávila Berni e contou com a supervisão do professor Flávio
Kapczinski, da McMaster University.
Para mim
o mundo era preto e branco
Teresinha de Lourdes da Silva tem 60 anos e já
tentou se matar duas vezes. A primeira foi há mais de 15 anos, depois do
divórcio do ex-marido. Três anos depois, uma nova crise depressiva resultou na
segunda tentativa de tirar a vida. "Eu não tinha mais graça em viver, para
mim o mundo se resumia em preto e branco."
As coisas começaram a mudar quando Teresinha
decidiu levar a sério o tratamento, com consultas periódicas ao psiquiatra e
uso de medicação. O apoio da família também foi fundamental, especialmente nos
períodos mais críticos da depressão, em que ela não podia ficar sozinha em
casa.
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Image caption Algoritimo desenvolvido por
pesquisadores brasileiros visa agir preventivamente
Teresinha voltou a trabalhar como babá e fica feliz
de servir de exemplo para quem está passando por momentos difíceis. Seu
principal conselho é procurar ajuda: "Nunca a gente consegue sozinho. Se
eu não tivesse procurado um atendimento especializado eu tinha me consumido.
Eles (profissionais de saúde) são os anjos da minha vida".
Para o médico Ives Cavalcanti Passo, o caso de
Teresinha comprova o quanto o suicídio pode ser evitado: "Se a pessoa tem
ideação suicida, se tu identifica e trata bem, é um evento extremamente
reversível".
Virginia
Woolf: traumas familiares e obscurantismo
A "paciente" escolhida no estudo do HCPA
teve uma vida conturbada, seja pelo âmbito familiar como pelo contexto
histórico que a Europa vivia na primeira metade do século 20.
Nascida em 1882 em um distrito de Londres, Reino
Unido, Virginia Woolf cresceu em meio a artistas e intelectuais fortemente
influenciados pelos pensamentos que surgiam na época, entre eles a psicanálise
e o niilismo.
A professora do Programa de Pós-graduação em Letras
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Elaine Indrusiak lembra que este
ideário pré-guerras mundiais teve forte influência na vida e obra de Virginia
Woolf.
"O choque entre a moralidade vitoriana muito
rigorosa e o obscurantismo que começa a surgir, da falência de tudo (...)
Virginia coloca em letras essa fragmentação que ela vivia e sentia na psique,
mas que também é uma fragmentação da própria sociedade em que ela vive".
No âmbito pessoal, a vida de Woolf foi marcada
pelas perdas da mãe (aos 13 anos) e de dois irmãos. Várias biografias contam
que ela e a irmã Vanessa foram abusadas sexualmente por dois meio-irmãos mais
velhos.
Segundo Indrusiak, a escritora também não se
conformava com a maneira como a sociedade subjugava as mulheres. Fatores que,
associados ao diagnóstico de transtorno bipolar, explicam muitas das angústias
reveladas nos diários e cartas analisados pelos médicos do HCPA.
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Image caption Virginia Woolf viveu em contexto familiar
e histórico conturbados
Do ponto de vista literário, a professora destaca
que Virginia Woolf é uma das escritoras que utilizaram de forma mais magistral
a técnica do fluxo de consciência e destaca três obras da romancista inglesa: Rumo
ao Farol , Mrs. Dalloway e Orlando.
O CVV - Centro de Valorização da Vida realiza apoio
emocional e prevenção do suicídio de forma voluntária e gratuita pelo telefone
188, sob total sigilo, 24 horas por dia. Para mais informações sobre onde
procurar ajuda para si ou para amigos e familiares, acesse: http://portalms.saude.gov.br/saude-de-a-z/suicidio.
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