Divulgando...
Boa
tarde povo!
Dia
de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira
postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a
leitura.
Obs.:
Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a
partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto
sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores
estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo
parágrafo do texto postado.
Degustem!
Desculpem
o atrazo mas estamos de volta!
CONTINUANDO...
A juventude do mundo inteiro vive esse momento de falta
de perspectiva. A juventude francesa, que fez o maio de 1968 e a alemã,
aderindo agora aos skinheads. A juventude francesa, apoiando, uma parte, o Le
Pen. Então vemos que tentam passar para
a juventude de todo o mundo, até com o esfacelamento da União Soviética, não só
que o sonho do socialismo morreu, mas qualquer utopia coletiva não tem mais
chance de ser instaurada no mundo. E cada um deve cuidar apenas de sua vida individual, que esse
sistema que está aí é eterno. E você vê então que a forma de
rebeldia que continua presente, inerente à juventude, sai pelas mais diversas
formas possíveis. São os grupos de darks, de punks, dos arrastões que houve no
Rio de Janeiro, de quinhentos a mil jovens que saíram correndo por todas as
praias de Copacabana a Ipanema levando tudo que havia pela frente. É importante
citar este momento, no qual existe a rebeldia em determinado momento e é
canalizada para essas atividades, e em outros momentos não. Acho
importante até fazer esse paralelo com a década de 1960, porque acho que a
nossa geração é muito perseguida por esta década. Até essa mobilização que
fizeram agora. Em tudo existe um paralelo. Primeiro temos que ver a
diferença dos momentos históricos: a juventude da década de 1960 é a juventude
que foi às ruas logo depois da Revolução
Cubana, em 1959, que derrubou Fulgêncio Batista, um grande ditador que
transformava aquela ilha num prostíbulo para as elites norte-americanas
[estadunidenses]. Em Cuba só tinha cassino e prostíbulo. A vitória do
socialismo em Cuba, a partir de 1959, onde um povo dominado secularmente
conseguiu sua libertação por suas próprias forças, animava e inspirava muito a
juventude de todo o mundo. Mas não é só isso. A luta pela libertação nos países
africanos também. Houve momentos em que os países africanos estavam lutando por
sua libertação em relação à França, em relação à Holanda, a outros países
europeus. O próprio maio de 1968 na França, em que o estudante Daniel Cohn
Bendit, alguns intelectuais, como Jean Paul Sartre, Marcuse, de fato fizeram
grandes mobilizações estudantis que acabaram culminando com uma greve geral e,
posteriormente, acabaram por derrubar e afastar De Gaulle do poder. O momento era de
grande efervescência em todo o mundo. A juventude e a população foram para as
ruas, não saíam da frente dos canhões.
Naquela época
estava claro o sonho do socialismo, o sonho de mudanças mais profundas na
sociedade. Foi com esse vigor que a juventude brasileira foi para as ruas e
fez aquela passeata dos cem mil sob o cerco dos generais e dos canhões. Era
outro momento histórico, que tem de se levar em consideração. Esse momento, no
mundo de hoje, é completamente diferente. A rebeldia continua presente, mas não existe
perspectiva de saída de toda essa crise. Há algumas exceções. Uma delas
é o Brasil; o Brasil, outros países da América Latina, a Coréia, mas em
particular o Brasil. Está todo o mundo
perguntando como é que os estudantes estão indo para as ruas agora, quando no
resto do mundo há um descenso, em todo o mundo a juventude está de braços
cruzados. Por quê? Primeiro, por
mais que queiram passar uma propaganda de ceticismo, de individualismo, uma
propaganda para que as pessoas não acreditem no futuro, no Brasil é difícil
passar isso. Porque existe a realidade objetiva, essa crise que estamos
passando. Como dizer para essa juventude que ela deve ficar em casa, quando os
aumentos de mensalidade nas universidades particulares chegaram, este ano, a
mais de 1.500%? Quando a evasão escolar nas universidades particulares chegou a
50%, onde, de uma turma de sessenta alunos, trinta tiveram de abandonar, foram
forçados a sair por não poderem pagar? Como dizer a essa juventude que deve ser
individualista, quando se vê esse ‘lero-lero’ das universidades públicas sem
verbas para as pesquisas? Como dizer que o jovem deve se manter na sua vidinha
própria, quando ele chegava em casa e via que seu pai tinha sido despedido,
como fruto dessa recessão, desse ‘belíssimo’ programa de modernização do Collor
de Mello? Como dizer que fiquemos de
braços cruzados, quando no Brasil está se chegando a uma situação em que favela
está virando luxo? Em São Paulo, as pessoas estão morando nas ruas, nas
calçadas daquelas grandes avenidas. Como dizer para a juventude cuidar de sua vida individual, se
o futuro está problemático? É o futuro da corrupção, do PC, da
operação Uruguai. Essa rebeldia é que é diferente de outros lugares do mundo.
Aqui no Brasil nossa crise é insustentável.
Quando a juventude foi para as ruas para tirar o Collor era para dizer: não quero esse
futuro. Eu quero um futuro diferente. Eu, como estudante de Direito,
não me via trabalhando como advogado, daqui a vinte, trinta anos, um Brasil como
este. Foi esse o motivo central de toda a participação dos estudantes no
processo de impeachment.
E vale dizer, também, que fazia muito tempo que não tínhamos bandeiras
tão amplas. Com essa bandeira do impeachment, nós conseguimos reunir
nas mesmas mobilizações, nas mesmas manifestações, estudantes universitários,
secundários, estudantes da rede pública e da rede particular. Nós conseguimos
colocar nessas manifestações o bolsista do CNPq, que estava revoltado porque o
ministro Marcílio Marques Moreira contingenciou as verbas, e o CNPq teve de
suspender 2.400 projetos que estavam na mesa. É uma mobilização que conseguiu
colocar ao mesmo tempo esse bolsista do CNPq e o jovem que tem uma banda de
rock, mas não conseguia expor sua produção cultural; aquele que estava na geração
que chamavam de shopping center também se sentiu atingido, bem como o que usava
a camisa do Che Guevara. Então nós
conseguimos colocar as diversas tribos, como falam, os diversos rostos, as
diversas fisionomias da juventude num só processo. Algo parecido com a luta
pela liberdade, pela democracia, na época da ditadura militar, quando aí também
nós conseguimos reunir amplos setores da juventude. Então foram bandeiras
extremamente amplas.
Outro fator que eu analiso e que acho que também estava
presente: a marca da rebeldia até na forma das manifestações. O nosso país é um país que abre poucos
espaços para a juventude emitir suas opiniões, para a juventude expor seus
questionamentos, as suas dúvidas. Praticamente nenhum grande jornal
brasileiro tem espaços abertos para a juventude expor suas posições. Programa
de televisão eu só me lembro daquele do Serginho Groisman, mesmo assim é para
outra turma. Acho que para os universitários ele não reflete as nossas aflições
do dia-a-dia. Então,
no Brasil, a forma de nós interferirmos, que é o questionamento da nossa
democracia, a forma de interferirmos nas decisões que tomam por nós é só na
hora do voto. Nós só votamos,
e depois de quatro anos nós voltamos lá, mas eu pergunto: onde é que a
juventude consegue expor suas posições, consegue opinar sobre as decisões
políticas, sobre o futuro do nosso país? Em lugar nenhum. Então você via que
era uma forma de rebeldia também. Podemos perguntar: por que a juventude foi de
cara pintada e gritou aquelas músicas e tudo o mais? Porque ela não queria mais
ser agente passivo da história. Ela não queria ir para um ato simplesmente
escutar quarenta ou cinquenta pessoas falarem a mesma coisa do impeachment. Ela
mesma queria falar. Ela mesma queria participar. Por isso não eram comícios parados, eram passeatas. Por isso ela
pintou a cara, numa forma de expressão individual. Por isso ela cantava aquelas
músicas e fazia aquelas coreografias. Porque ali também tinha esse grito de
revolta. Ela queria expor suas posições. Ela queria mostrar sua própria voz.
Mostrar seu próprio grito de revolta, e não
apenas estar participando como agente passivo de um grande processo. Acho
que esses são motivos particulares, este é o centro da questão, de saber por
que o Brasil hoje se diferencia do resto do mundo, em termos da participação da
juventude, em termos da participação dos estudantes. Diferente da juventude da
Alemanha, que está agora nessa onda dos skinheads, essa juventude no Brasil foi para as ruas defender a democracia,
defender a ética. Foi para as ruas exigir mudanças. Porque é muita ilusão
pensar que foi só porque o Collor é ladrão que houve toda essa mobilização. É
muita ilusão. Associada a tudo isso tem a participação na grande crise
econômica que nós estávamos passando. Então eu acho que esses são pontos
especiais em toda essa discussão.
Chego agora no que acho que seja a questão central. É ver de que forma
canalizar essa rebeldia existente, de que forma canalizar esta rebeldia que
está ligada ao futuro. Porque é nossa capacidade de rebeldia nesse
momento que pode construir um novo futuro para o nosso país. Quais as
formas de canalizarmos toda essa rebeldia existente na população, existente na
juventude? Agora não existe essa ampla frente pelo impeachment. Agora a
discussão é sobre os rumos do nosso país. A discussão é sobre o que vai ser
daqui para a frente. Logo após essa ampla abertura que houve na imprensa, a UNE
começou, é lógico, com os estudantes locais, os DCEs, os centros acadêmicos, a
expor suas posições sobre outras questões. Nós pegamos uma briga contra o maio
lobby que existe no Congresso Nacional que é o lobby dos privatistas, que
primeiro tenta, das mais diversas formas possíveis, transferir os recursos, que
deveriam ir para as escola públicas, para a rede particular de baixa qualidade
de ensino, e uma briga grande também por causa dos aumentos das mensalidades.
Pegamos outra briga quando houve os arrastões e nós, novamente, continuávamos
com aquele espaço na imprensa. É preciso agora que o governo jogue pesado nas
questões sociais dê um basta nesta política econômica recessiva, se volte para
a resolução dos problemas do povo. E culminou quando da privatização da
Acesita, que nós nos mobilizamos novamente. Vale ressaltar, fizeram o maior
estardalhaço, mas depois botaram nos jornais: a Acesita foi vendida por 0,0007%
em dinheiro. Não dá para comprar em carro velho, sendo 99,993% de moedas
podres. O Barbosa Lima Sobrinho, com muita correção, coloca uma coisa: a
nova via da corrupção no país é através das privatizações. Não se enganem,
essas moedas podres, esses títulos, eles compraram por preço abaixo do mercado
e passaram, com preço triplicado, praticamente para as mãos do Estado, para as
mãos do governo. Então, nós começamos a emitir opinião sobre tudo
isso. O que aconteceu logo depois? Em todos os jornais desse país se dizia:
lugar de estudante é em sala de aula. Editoriais atrás de editoriais dizendo
isso. Voltaram com aquela discussão. O
discurso da ditadura militar, quando falavam que qualquer manifestação que
existia aqui era manifestação de baderneiros terroristas. E voltaram com
essa conversa logo depois do processo do impeachment. Bem, se lugar de
estudantes é em sala de aula, nós não teríamos feito aquelas manifestações na
rua. Dizem isso, e falam também: vocês são uns arcaicos. A onda agora é a modernidade. Mas essa modernidade nós já estamos
cansados de saber o que significa. Repetem
o mesmo conceito de modernidade do Collor, dos carros importados, dos jatinhos.
E não a modernidade do povo favelado. É a modernidade dos grandes grupos econômicos, e
não a modernidade que a gente fala dos sessenta milhões de miseráveis
brasileiros e dos 32 milhões de analfabetos.
Então eu estou falando isso porque é a grande discussão
hoje nos país. E estão querendo cercear essa liberdade, essa discussão. Hoje,
completamente diferente daquele momento, nós só aparecemos para sermos
criticados, para nos chamarem de arcaicos e dizerem que a nossa função não é
discutir esses problemas, a nossa função é a volta para a sala de aula. Eu
levanto essa responsabilidade agora para todos nós. Não é só da diretoria da
UNE, dos DCEs, ou dos centros acadêmicos. Acho que nós estamos respondendo
dessa forma porque somos estudantes, sim. Estamos preocupados com a sala de
aula, é lógico, com as questões concretas da educação, mas além de estudantes nós somos cidadãos brasileiros, e como tal não
temos apenas o direito, temos o dever de pronunciamento de fala, de intervenção,
de acabar um pouco com essas mazelas sociais. Nós estamos é no Brasil dos
arrastões, e vale até levar isso em consideração. Essa juventude que foi para
as ruas e se mobilizou nos arrastões, a juventude das galeras punks não esteve
presente nas passeatas pelo impeachment. Por quê? Porque aquela juventude
(diferente de nós que estamos na universidade), estudando nas escola, só pensa na sobrevivência diária. Ela não
tem nem condições de se portar como cidadã. Ela
não tem condições de se portar como homens do país. Ela tem apenas
condições de tentar, no dia-a-dia, a sua sobrevivência. Então parece uma
juventude completamente distante e diferenciada dessa juventude que foi às ruas
pelo impeachment. Sem dinheiro e sem comida, as pessoas não têm condições de
interferir no processo político. E é por isso, inclusive, que estimulam tanto
que o Brasil tenha essa imensa mão-de-obra de reserva. É por isso que o Brasil
é o país que tem mais miseráveis no mundo. É
por isso, porque eles sabem que á mais fácil dominar um povo sem educação, que
é mais fácil dominar um povo sem cultura, que está passando fome, que na
hora das eleições chega lá com uma cestinha básica para conseguir o voto. Eles sabem que é
mais fácil dominar um povo que não conhece sua própria história.
Então nós temos que entender que essa crise é uma crise proposital, para manter
o status quo vigente no país. Eu quero dizer o seguinte: acho que a nova
rebeldia agora tem de ser a de exigir, do governo que aí está, rápidas mudanças
na estrutura social do nosso país. Acho que este deve ser o grito de todos os
estudantes. Nós vamos rebater como rebatemos os generais. Lugar de estudante
não é só em sala de aula. Lugar de estudante é também participando de outras
manifestações políticas.
Quero concluir falando do exemplo de rebeldia que foi
Honestino Guimarães. Ele foi líder estudantil, presidente da UNE, estudante da
UnB, desaparecido, preso pela repressão militar. Faço lançamento agora de uma
campanha: Onde está Honestino Guimarães? E que prova maior de rebeldia que uma
frase de Honestino Guimarães. Ele disse, depois de ser preso várias vezes, e de
ameaças de morte: “Podem me prender, podem me torturar, podem me matar, mas um
dia voltaremos e seremos milhões. Não conseguirão acabar com nosso sonho de
liberdade e justiça social.”
É assim que termino, conclamando a todos a se rebelarem
contra a educação desse nosso país, e contra esse Brasil dos miseráveis, porque
é justamente essa nossa rebeldia que pode garantir o futuro que tanto o
Honestino sonhava.
Obs.: Os negritos
itálicos são os destaques do texto original; os [ ], os negritos
e os negritos
vermelhos são destaques nossos.
SUGESTÕES
DE LEITURAS
Os carbonários – Alfredo
Sirkis. Global, 1981.
1968, o ano que não terminou
– Zuenir Ventura. Nova Fronteira, 1988. RJ.
A desobediência civil e
outros ensaios – Henry David Thoreau. Cultrix, 1969. SP.
O poder jovem – Artur José
Poerner. Civilização Brasileira, 1979. RJ.
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