Divulgando...
Bom
dia povo!
Dia
de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira
postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a
leitura.
Obs.:
Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a
partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto
sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores
estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo
parágrafo do texto postado.
Degustem!
CONTINUANDO...
Eu quero dizer que a questão da ética vai exigir de nós
uma dinâmica um pouco maior. Se pararmos
no impeachment do Collor, não
estaremos contribuindo com o tipo de sonho que despertou, que levou milhões de
pessoas às ruas, e que motivou toda essa briga para afastar o presidente. É
preciso que nós, de uma vez por todas, exijamos a moralidade na administração
pública. Ninguém
pode ser eleito nesse país e governar, ou legislar em causa própria. Ninguém
pode determinar, sem consultar organismos democráticos da sociedade civil,
sobre coisas que mexem diretamente com o dinheiro público. Nós vimos
agora que a Caixa Econômica Federal deu um desfalque de quase 11 trilhões de
cruzeiros no FGTS. Com que direito um cidadão pode mexer em 11 trilhões de
cruzeiros que não são dele, que são de toda a sociedade, sem que esta sociedade
tenha o direito de saber se ele mexeu ou não no dinheiro?
Nós precisamos começar a perceber que não é
ético, por exemplo, os deputados legislarem sobre seu próprio salário.
É preciso que haja mecanismos para que as coisas sejam feitas mais às claras.
Eu não estou aqui fazendo juízo de valor sobre salário de deputado. Mas acho que
devemos ter outro comportamento para servir como exemplo, da mesma
forma que nós não podemos permitir que um presidente de uma empresa estatal
trate a coisa pública como se fosse particular, e a partir dali ele empregue o
carreirismo, sem levar em consideração nenhum critério de produtividade, de
rentabilidade de uma empresa. Não é que as empresas estatais não funcionem. Nós
estamos quebrando, não porque elas não prestem, nós estamos quebrando porque elas
são mal administradas, porque elas não são administradas como coisa pública,
mas como coisa privada. É a coisa
pública a serviço de determinados grupos, quando deveria estar a serviço de
todos. Se nós não fizermos isso, não estaremos estabelecendo a ética neste
país. Como acho
que a falta de ética é uma coisa quase milenar, só não é milenar porque o
Brasil não tem mil anos, nós precisamos de muita luta para começar a mudar a
situação desse país.
Vocês imaginem, por exemplo, o que é falta de ética com a
nossa juventude. Acabou de ser aprovado a Estatuto da Criança. As pessoas fazem
discurso chorando na Câmara dos Deputados. Várias comissões dos direitos
humanos saem pelo mundo a fora divulgando o Estatuto da Criança que foi
aprovado. As crianças têm direito a tudo: a uma família, a uma casa, à
educação. É fantástico do ponto de vista de do princípio geral que está contido
na lei. Mas quando
olhamos este mesmo Estatuto da Criança que determina tudo que elas têm direito,
e percebemos que neste país o salário mínimo é de apenas 50 dólares, nós
imaginamos: “Não pode ser verdade”, e não pode combinar o Estatuto da Criança
com a distribuição de renda no país. Por isso é que no
Brasil se adota um discurso de que a lei “pega, ou não pega”. Porque,
se as pessoas fazem o Estatuto da Criança com boa vontade, tentando responder
àquilo que é fundamental, é preciso que, do ponto de vista econômico, o governo leve em
consideração uma boa distribuição de renda, para que possam se cumpridas as
exigências que estão na Constituição, no Estatuto da Criança, no
Estatuto da ONU dos Direitos Humanos, de garantir às pessoas o direito à
cidadania.
Como se pode falar
em ética num país em que apenas 1% da juventude está na universidade. E a juventude que
está na universidade é privilegiada, porque, além de poder estar na
universidade, é a que pode estar organizada. Quando poderemos organizar esses milhões de jovens que não entram no
mercado de trabalho, que não entram nas escolas e que, portanto, estão
predestinados a serem vítimas da violência da polícia nas ruas das grandes
cidades? Isso é falta de ética. É dever do Estado, agindo eticamente, garantir para todas as
pessoas esse direito à universidade. Quanto aos meios de comunicação,
a questão da ética deve ser considerada. Qual
o acesso que se tem hoje na determinação da programação da televisão? Outro
dia o Chico Anísio falou mal de mim no ‘Fantástico’. Eu entrei com direito de
resposta na Justiça e em contato com o chefe de programação da Globo. Eles me
deram o direito de resposta durante um minuto e trinta segundos. No outro
domingo Chico Anísio falou outra vez. Eu teria que entrar na Justiça e demora
mais quatro meses. Que ética é essa?
Quando alguém pode falar mal de você e você não tem o direito de responder
imediatamente? Às vezes você é obrigado a esperar seis meses, e quando chega o
direito de resposta, acabou o momento político apropriado. Que ética
é essa nos meios de comunicação quando qualquer pessoa, que votou cinco anos
para Sarney, conseguiu rádio, conseguiu televisão e o sindicato de São
Bernardo, há quatro anos com um pedido de uma estação de rádio, não consegue.
As universidades não têm direito a um canal de televisão, uma emissora de
rádio! Então, não é possível!
A informação tem muito a ver com a ética.
A informação
pode acobertar determinadas coisas e pode divulgar outras tantas.
Por exemplo, no caso da NEC, e que há denúncia de envolvimento do Roberto
Marinho e Antonio Carlos Magalhães. Está certo que outro que estava envolvido
também, o Mário Garnero, não é nenhum santo. Mas ele estava envolvido.
Eles fizeram um
acordo em Brasília, ACM e Quércia, para não se tocar, tanto na VASP quanto na
NEC. E os meios de comunicação não divulgam. Como é que podemos,
efetivamente, falar que existe ética em nossos meios de comunicação? A censura
ideológica é determinada pelo dono da emissora na programação jornalística e na
programação normal.
A questão da
concentração de renda é outro aspecto que deve ser estudado com seriedade. Será que é ético um
país que tem uma renda per capta de
4.36 dólares ter uma grande maioria vivendo com menos de cem dólares?
Não
é uma distribuição ética. No mínimo alguém está comendo o pãozinho que
está faltando para aquele cidadão que está morando embaixo da ponte, ou para o
companheiro camponês que está se afastando da sua terra natal para ser mais um
indigente em uma grande metrópole brasileira. Não é ético, não é apenas no
Brasil. Não é ética a relação do
Primeiro Mundo com o Terceiro Mundo. Se imaginarmos que nós, do Terceiro Mundo, consumimos apenas
27% da riqueza e representamos 80% da população; se imaginarmos que 80% da
população pobre comem apenas 20% da riqueza produzida; que 20%, representantes
do Primeiro Mundo, consomem 80%, percebemos que há uma inversão de valores
extraordinária. Tem gente comento nosso bife. Tem gente tomando
nosso café.
E o que é grave. Fui a um debate em Berlim e um físico de
Munique começou a discutir uma coisa que me chamou muito a atenção. Precisamos começar, no Primeiro Mundo, a
parar de discutir o que a gente vai conquistar. Nós agora precisamos começar a
discutir o que vamos devolver.
Por que ele levantou essa tese? Ele levantou essa tese porque, num estudo que apresentou na
universidade, chegou à conclusão que, para garantir a todo o povo do Terceiro
Mundo o mesmo padrão de vida de um europeu ou de um americano, seria necessário
que o planeta Terra fosse três vezes maior do que ele é hoje. Como não dá
para aumentar o planeta Terra, e nós ainda não dominamos Marte ou outros
planetas para sabermos se há riqueza para explorar, é preciso começar a distribuir, de forma mais justa, o que já existe,
porque senão, vai predominar na cabeça dos que já têm que nós temos que morrer
sem ter. Então,
começa a prevalecer a ideia que tem que haver pobre mesmo, para que possa haver
rico. Imaginem se, de repente, na China, todo chinês tivesse um
carro. Ou se todo chinês tivesse um aparelho de ar-condicionado. Eu cito a
China, poderia ser todo o Terceiro Mundo.
A falta de ética
na distribuição da riqueza, que teoricamente deveria ser de todos, é o que gera
falta de ética nos comportamentos, que vão descendo até chegar, às vezes, às
nossas salas de aula, ao nosso Congresso Nacional, à nossa Câmara de
Vereadores, às vezes até na nossa própria casa. É por isso que digo que a ética envolve
muito mais do que a questão política, porque envolve nossa formação religiosa,
envolve nossa formação ideológica, envolve o que pensamos do mundo. O mundo, que está na nossa cabeça, está
muito ligado ao nosso comportamento ético. É por isso que tem um ditado que diz: “A cabeça
pensa aonde os pés pisam”. Nós somos resultado do nosso meio
ambiente. Se nós vivemos num meio ambiente corrupto, a tendência natural é
aprendermos a viver com a corrupção sem que isso pareça um mal maior para todos
nós. E nós sabemos que num país como o Brasil a roubalheira chega a tal
ponto que o jornal O Globo (não é
coisa do jornal da UNE, nem do PT, nem do PC do B, nem do PPS, nem do PSB)
publicou uma pesquisa, no dia 27, na primeira página, em que de 4190 empresários
pesquisados, 90% sonegam algum tipo de imposto.
Há quem diga que para
cada cruzeiro arrecadado há um cruzeiro sonegado. Só para entendermos os
números, o Imposto Territorial Rural, em 1991, arrecadou apenas 53 milhões de
dólares, o IPI de cigarro arrecadou um bilhão e meio de dólares. Isso significa
que os grandes latifundiários deste país não estão pagando imposto, significa
que muitos empresários estão sonegando imposto. E se eles estão sonegando imposto, estão faltando com a ética com
aqueles que pagam, que são aqueles que recebem o contracheque no final do mês,
porque é descontado na fonte.
Finalmente gostaria de terminar dizendo que precisamos
colocar a questão da ética na ordem do dia outra vez. É preciso que
continuemos passando para a classe política, para os empresários, para os
sindicalistas, para os estudantes e para a sociedade que a luta pela ética não
deve acontecer somente num determinado momento histórico em que um governante
está envolvido numa maior ou menor corrupção. A ética exige de nós um comportamento diário. Durante um mês, durante
um ano, durante nossa vida. Nós temos que exigir que as pessoas sejam
sérias. Nós temos que exigir um comportamento digno. Nós precisamos exigir que as pessoas que
administram a coisa pública a administrem enquanto coisa pública, sabendo que
ela é de todos e não deles. Se nós não entendermos isso como o
cotidiano de nossa vida, estaremos contribuindo para que os corruptos continuem
a vingar neste país. Não haverá nenhuma
possibilidade, neste país, de se resolver o problema do analfabetismo, o
problema de s5 milhões de deficientes físicos, de milhões de jovens que estão
desempregados, sem escola para estudar, de milhões de meninas e meninos que
estão se prostituindo a troco de um prato de comida. Não existirá nenhuma
possibilidade de se evitar o êxodo rural. Não há possibilidade de mudar a
política de distribuição de renda se não exigirmos que este país, de uma
vez por todas, vire um país ético, com as pessoas se comportando decentemente.
Depende somente de nós. Podemos exigir isso em nossas escolas, nossos sindicatos, em
nossas casas.
Gostaria de
abordar, também, o problema dos meninos de rua. Quero dizer que não é apenas
responsabilidade do Estado. Quantas pessoas poderiam se responsabilizar por uma
criança de rua? Quantos de nós poderíamos adotar uma criança? Empresário, comerciante?
Não seria levar para casa, mas assumir a responsabilidade do material escolar e
da cesta básica de uma criança, da sua alimentação mensal. Por que ficamos
apenas esperando, jogando a culpa no Estado, como se nós ganhássemos e
pudéssemos resolver isso amanhã? Por que que nós não assumimos enquanto
cidadãos? Por que cada grande empresário não duas, três crianças de 14 a 16
anos trabalhando um período, estudando no outro, e ganhando um salário, tendo
material de escola, tendo onde dormir? Por que nós não fazemos esse gesto, que
é uma coisa mais prática, uma coisa mais concreta, que uma parcela da sociedade
pode fazer? Acho que os alimentos que são jogados fora neste país poderiam
minorar a fome de milhões de crianças de rua que estão aí. É uma coisa que nós
vamos ter que pensar, enquanto sociedade organizada. Não dá para ficar jogando
a culpa em cima dos outros. Porque, aqueles mesmos que prometem que vão
resolver, quando ganham as eleições são os primeiros a mandar a polícia bater,
porque pobre não pode ir à praia. Afinal de contas, vai poluir aquela praia de
água tão limpa. Como vamos impedir que um pobre da favela de Santa Marta desça
o morro e faça uma desgraça qualquer? Aqueles moleques estão a dois mil metros
de altura, vivendo no meio de fezes, de esgoto, de tudo que não presta. O
‘inseto’ menor que passa perto deles é o rato. Então eles descem o morro,
chegam à avenida Atlântica, chegam a Ipanema. Aquelas crianças são induzidas
pelo seu subconsciente a praticar qualquer coisa.
Aí, sim, é que entra
o Estado, com mecanismos de educação, de distribuição de renda, mas também nós
podemos contribuir. Essa é uma coisa que precisamos começar a pensar, e não
largar apenas nas mãos dos outros. Nós precisamos começar a assumir, porque não
é pouca gente, é muita gente. E a desgraça é só tentarmos cuidar da miséria a
partir da própria miséria. E vamos resolver o problema da miséria cuidando onde
ela já existe. Temos que evitar que novos focos de miséria comecem a surgir
neste país. Precisamos cuidas das crianças de rua de hoje, evitando que
surjam novas crianças de rua, através de um programa de educação para que as
pessoas saibam efetivamente controlar a natalidade, até a produção de alimentos
para distribuição gratuita aos segmentos mais pobres da nação. E a questão da fome é tão séria que o
cidadão pode não ter onde dormir, ele dorme na calçada, pode não ter onde tomar
banho, que ele fica sem banho, agora, sem comer, não dá.
Gostaria de juntar um leque de pessoas, de entidades, de
Igrejas, para ver se despertamos neste país a consciência contra a fome. Porque
antigamente, quando eu era pequeno, minha mãe era miserável, não tinha o que
comer, mas se chegasse um mendigo em nossa casa, pedindo um prato de comida, o
que fazíamos naquela época? Mandávamos entrar, e dávamos um prato de comida.
Hoje, nós estamos tão assustados que se chega alguém pedindo comida, a primeira
coisa que se faz é fechar o portão e não atender. Nós estamos perdendo por indução, por causa da ideologia vendida pela
televisão, aquilo que nós tínhamos de mais sagrado que era o nosso espírito de
solidariedade. Nós estamos perdendo isso e precisamos recuperar.
Por isso, eu quero dizer a vocês que as diferenças
ideológicas não devem impedir que as pessoas se unam. Na votação do impeachment
do Collor, todos nós nos unimos. Estávamos com a disposição de arrumar 336
votos, e não tive nenhum constrangimento em conversar com o Quércia, do mesmo
modo que conversava com o Lindberg, o Ibañez, ou qualquer outra pessoa. Terminada essa fase, houve afastamento
ideológico entre várias pessoas, mas poderá haver momento em que tenhamos que
nos juntar outra vez. O Itamar está na presidência e nós precisamos voltar
a nos mobilizar para fazer este país voltar a andar. Este país está parado, atrofiado, estagnado, e
nós temos que fazer este país andar, temos que discutir corretamente com Itamar
a distribuição da riqueza, o que se vai fazer neste país.
Nós entregamos um projeto, não para o Itamar, mas para os
partidos políticos, um projeto que não é do PT, é um projeto que entregamos
para o PV do B, PTR, PSB, o PSDB, o PDT, mesmo fazendo oposição ao Itamar.
Quando for necessário, nós precisamos chegar, não apenas ao Itamar, mas a todos
os presidentes de partidos políticos, com uma proposta concreta para dizer à
sociedade: nós sabemos fazer oposição, nós sabemos tirar governo, mas nós temos
responsabilidade com este país, e nós queremos que o governo execute essa
política, porque essa política é que poderá recuperar a esperança do nosso
povo, de que o país vá crescer. É com essa visão que nós apresentamos um
projeto para discussão. E eu espero que o presidente Itamar (depois do dia da
votação do impeachment) faça um pronunciamento à nação e diga
concretamente o que ele vai fazer e quais são suas primeiras medidas. Porque eu
já começo a ver grandes companheiros nossos que estão no começando a justificar
o injustificável. Nós não poderemos mais ouvir de um governo a seguinte tese: é
meu primeiro ano, vocês têm que aguentar. É o primeiro ano para ele, mas para
nós já faz vinte ou trinta anos que estamos esperando esse primeiro ano. Por
isso, vocês vão ter que assumir essa briga, para não deixarmos que daqui a alguns
meses o povo comece a ficar com saudades do Collor. Nós pensávamos que o Maluf
esta morto em 1982 e percebemos que não estava. Portanto, temos que empurrar o
Itamar, e quando eu digo empurrar é para empurrar mesmo, porque podemos ficar
mais dois anos na expectativa. E aí vocês, do movimento estudantil, vocês da
universidade, professores, funcionários, têm um papel extraordinário, por
estarem aqui em Brasília, nesse trabalho de pressão que precisamos continuar a
fazer no país.
Obs.: Os negritos
itálicos são os destaques do texto original; os [ ], os negritos
e os negritos
vermelhos são destaques nossos.
SUGESTÕES
DE LEITURAS
A ética na política – Denis
Rosenfeld. Brasiliense, 1992.
Ética – Adauto Novaes
(org.). Sec. Municipal de Cultura de São Paulo, Companhia das Letras, 1992.
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