Divulgando...
Boa tarde povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na
primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar
a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo
para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você
possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são
sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e
o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!
GUETO
DO PENSAMENTO INQUIETO
REBELDIA
Lindberg
Farias – Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE)
O
Pensamento Inquieto (Curso de Extensão Universitária a
Distância). Organização de Clodomir de Souza Ferreira, João Antonio de Lima
Esteves e Laura Maria Coutinho – Brasília: CEAD/Editora Universidade de
Brasília, 1993. (pp. 101 a 108).
QUESTÕES
PARA RELFEXÃO
Para
que a roda da História continue a girar é necessário que a população, ou pelo
menos parte dela, tenha uma atitude rebelde. Discutir rebeldia é
discutir nossas perspectivas para o futuro. Lindbergh Farias, líder
estudantil e presidente da União Nacional dos Estudantes, destaca a tendência
natural dos jovens a reagir contra o que lhes parece errado no “status quo” das
sociedade. A rebeldia é exclusivamente dos jovens? Ela se manifesta apenas em
momentos de crise aguda e generalizada? Existe uma rebeldia “positiva”, resultante das preocupações
com o social, e uma rebeldia “negativa”, calcada no ódio racial, no
separatismo, na revolta sem causa aparente? O que distingue os
“cara-pintadas” do movimento pró-impeachment dos “skinheads” neonazistas?
A função da universidade não é só formar recursos
humanos. A universidade tem uma função
maior, além de produzir ciência e tecnologia, que é trazer os grandes debates
da sociedade para a discussão. É da universidade que sai o conhecimento de
ponta do nosso país. Não só nas áreas de ciência e tecnologia, mas também nas
áreas de ciências sociais e de ciências humanas. Não podemos hoje nos render
aos apelos tecnicistas. Muita gente quer que a universidade seja o grande
centro de produção técnica, específica. Muita gente quer passar uma visão extremamente
tecnicista da universidade, como se fosse só sua função desenvolver as últimas
inovações em termos de micro ships, na área da engenharia, da medicina. Tentam,
de todas as formas, quebrar esse pensamento crítico, de questionamento, que
existe entre os estudantes, entre a intelectualidade desse nosso país.
Vocês veem concretamente que saiu das universidades, dos professores, da SBPC,
dos estudantes, grande parte do questionamento à ditadura militar. Saiu dos
estudantes aquele anseio concreto que existia de luta pela liberdade e luta por
justiça social, e nós temos um exemplo na UnB, o Honestino Guimarães,
ex-presidente da UNE. Então querem podar essa criatividade, essas inovações que
podem surgir na universidade. Então é nesse sentido que eu elogio a realização
desse Fórum do pensamento inquieto. Acho que já é uma atitude rebelde nossa,
parar hoje para discutir Deus, Marx, o papel do Estado, Rebeldia, Ética,
Democracia. Já é um início para tentarmos resgatar a verdadeira função da
universidade, que não é só a universidade que formaria os maiores cirurgiões plástico
do mundo, mas é o Brasil que não forma nas universidades o médico que discute a
prevenção de doenças que atinge o grosso da população brasileira. É o Brasil dos arquitetos especializados em
construção de mansões luxuosas, e não o Brasil que forma arquitetos que
elaborem projetos alternativos de construção de moradia popular. É o Brasil dos
profissionais que saem, porque essa é a visão que querem passar, saem da
universidade comprometidos apenas com os interesses das elites. Acho
que o nosso ato de rebeldia é questionar nossos currículos, tentar romper essa
cerca da universidade e criar, de fato,
laços da universidade, laços do ensino, da pesquisa, da extensão, com a
comunidade carente, com essa população brasileira, miserável. É preciso,
sim, sair do gueto. Nós queremos que essa tal de universidade pública e
gratuita, que falam que existe, não seja só o fato de a gente não pagar a
mensalidade. Mas
esse ‘público’ significa que a universidade tem de ter ligação com os
interesses da maioria da população. A universidade não pode estar
distante, por exemplo, dos arrastões do Rio de Janeiro, do pessoal da saúde,
dessa epidemia do cólera. A universidade
tem de estar perto, vinculada aos interesses imediatos da população brasileira.
Esse é o grande debate que existe hoje na universidade. A luta pela
‘publicização’. Faço esse apelo para que cada um, no cotidiano, no dia-a-dia,
na sua forma de agir na sala de aula, nas discussões sobre os currículos, e
também a instituição, como um todo, se rebelem nesse momento. Nós temos de
construir agora uma universidade vinculada aos interesses mais populares, e não
transformar a universidade em shopping Center do conhecimento para os grandes
grupos econômicos. Não podemos transformar as universidades apenas
em produtoras de ciência e tecnologia para as grandes empresas. A universidade
tem de se ligar aos interesses da maioria da população.
Comecei com esse tema Rebeldia, tocando em coisas do
nosso dia-a-dia concreto, na universidade. Acho que a discussão da rebeldia
está extremamente ligada também com a discussão do futuro. Rebeldia está
extremamente ligada ao futuro. O que é que leva o motor da história a andar? O que leva às
mudanças na sociedade? É a indignação, a inquietude, que faz as pessoas se
rebelarem contra esse determinado estado de coisas. Pode-se dar
vários exemplos disso. A Revolução Francesa, a Revolução Russa, os cubanos,
quando fizeram sua revolução, eram chamados de Rebeldes. Isso em todos os
momentos da história. Para a roda da
história andar é preciso que a população, ou pelo menos um setor dela, se
rebele. Então, discutir rebeldia é discutir as nossas perspectiva para o futuro.
E aí a discussão da rebeldia se liga à questão da juventude. Há quatro meses
todos diziam que o movimento estudantil tinha acabado, a UNE tinha morrido, os
estudantes não tinham nenhum papel a jogar no processo político do país. Era a
juventude da geração coca-cola e que não tinha mais jeito. Era coisa da década
de 1960. Isso circulava não só no meio dos estudantes, mas no meio de
intelectualidade, em toda a sociedade existia essa discussão. Quem se apressou
em rezar a missa de sétimo dia da participação política dos estudantes deve ter
ficado impressionado com a vitalidade do defunto, depois de todas essas
mobilizações pelo impeachment. Sempre foi uma marca da juventude do nosso país a
participação política em momentos cruciais.
A UNE foi criada em 1937, já se organizando contra a
ditadura do Estado Novo. Vários líderes estudantis jogaram um grande papel em
toda essa mobilização. Depois os estudantes pressionaram o governo de Getúlio
para entrar na guerra contra o nazi-fascismo, no momento em que o governo
balançava por suas ligações com a Alemanha de Hitler. Os estudantes também
jogaram um importante papel na luta “O petróleo é nosso”, e também no governo
João Goulart, pelas reformas de base: educação, agrária, etc. E o período todo
especial da ditadura militar de 1964. Os estudantes tiveram um papel em todo
aquele processo. A primeira atitude dos generais foi destruir o histórico
prédio da UNE, localizado na Praia do Flamengo, nº 132, na madrugada do dia 31
de março para 1º de abril. Mesmo com o cerco militar, a turma continuava nas
ruas. Houve a passeata dos cem mil em 1968, liderada no Rio por Wladimir
Palmeira. Logo depois do AI-5 teve o Congresso da UNE, em Ibiúna, interior de
São Paulo, que reuniu estudantes do Acre ao Rio Grande do Sul, provocando um
grande cerco do Exército e a prisão dos líderes estudantis nacionais. Foi nesse momento que ganhou força a
palavra de ordem: “A UNE somos nós, nossa força, nossa voz.” Porque no
outro dia nos jornais da repressão, da ditadura militar, colocaram na capa que
depois do Congresso de Ibiúna tinham prendido todos os líderes, e o movimento
estudantil tinha morrido. Respondendo à imprensa, aconteceram mobilizações
espontâneas dos estudantes em todo o país, que levantavam aquela bandeira da
“UNE somos nós, nossa força, nossa voz”. Ou seja, mesmo sem as lideranças,
mesmo sem os dirigentes da UNE aqui estão os estudantes novamente lutando pela
liberdade, Não foi só isso. Tentam apagar da história, por exemplo, as
mobilizações de 1977 dos estudantes em São Paulo e no Rio de Janeiro pela
anistia ampla, geral e irrestrita, em nosso país. Então, é um pouco precipitado se
afirmar que o movimento estudantil e a juventude não jogavam mais nenhum papel
no processo político nacional.
Se avaliarmos, não é só a questão do Brasil. Toda vez que a crise na sociedade é geral,
que faltam perspectivas para o futuro, a juventude sai com vigor às ruas. O
que foi o processo do leste europeu? Quem estava na frente daquelas
mobilizações lá? A juventude daqueles países. Na queda do muro de Berlim, a
participação da juventude também foi importantíssima. Na Coréia do Norte, vemos
o sonho da juventude coreana da unificação das duas Coréias. Mesmo em Los
Angeles, aquela revolta dos negros, de uma imensa maioria de jovens negros. E
aqui no Brasil, em todo esse processo do impeachment. Analisando bem, essa sempre é uma característica da juventude. Não só
agora, para o futuro também, quando não existirem perspectivas. Essa juventude
funcionou um pouco como termômetro. Ela se rebela com mais facilidade e
ocupa as ruas em grandes manifestações. É errado dizermos e associarmos essa
rebeldia da juventude e a rebeldia do nosso povo apenas às grandes lutas
políticas. A rebeldia é algo inerente ao próprio ser jovem, por vários motivos.
Primeiro, por não estar participando ainda de maneira efetiva do setor
produtivo. A rebeldia tem muita liberdade. Ela, às vezes, é canalizada num
grande processo de participação política, outras vezes, não. Por exemplo: em
determinados momentos da história, quando as perspectivas não são claras,
podemos dizer que não é uma forma rebelde de comportamento a proliferação na
Europa, em determinado momento da história, de grupos darks e grupos punks.
Sim, é uma forma de contestação, é uma forma de rebeldia contra uma situação,
mas sem saber qual a saída. Rebeldia contra um determinado sistema social, mas
sem saber quais seriam os rumos de modificação de tudo isso. Outro exemplo é o
caso de Los Angeles. Aquela juventude negra foi às ruas contra as
discriminações racial e social, mas não sabia quais as formas e os caminhos da
luta. Tem até uma música de Cazuza que fala: “Ideologia, eu quero uma pra viver.
Meus heróis morreram de overdose, etc.”, que reflete o pensamento da juventude
naquele momento. Ele demonstra, naquela
música, a revolta contra a situação que existia no Brasil, mas não existiam
perspectivas de transformação. Não existiam de forma clara para essa juventude
as formas de mudança. A rebeldia esta presente. O mundo de hoje se utiliza
muito do fracasso da experiência do socialismo no leste europeu; da queda do
muro de Berlim, pra tentar passar para o jovem, especialmente o do Terceiro
Mundo, que o sonho do socialismo morreu. Mas não só isso, tentam passar além disso
que o sonho de construção de um mundo coletivo morreu, que o Brasil
coletivo não existe mais, tentam passar que qualquer coisa coletiva é démodé,
que cada um deve discutir a construir sua vida própria. O jovem deve entrar
para a universidade, anotar o que o professor fala, não participar do centro
acadêmico, ir para casa, não participar de um fórum como este, não participar
de nada disso. Essa
é a mensagem que tentam passar para nossa juventude, através da grande mídia.
CONTINUA NA PRÓXIMA
QUARTA...
Obs.: Os negritos
itálicos são os destaques do texto original; os [ ], os negritos
e os negritos
vermelhos são destaques nossos.