PEC do Teto dos Gastos inviabilizou a educação pública no país, diz
Dermeval Saviani
Em
entrevista ao Brasil de Fato, o filósofo e pedagogo critica as medidas de Temer
e aponta caminhos para a resistência
Mauro Ramos Brasil de Fato | São Paulo (SP), 8 de Dezembro de
2017 às 10:57
Para Saviani / TV Contee
Dermeval Saviani, tem 73 anos. Ele é considerado o
criador da chamada Pedagogia Histórico-Crítica, que visa, segundo
expressa o próprio autor no livro A pedagogia no Brasil: história e teoria (2008,
Autores Associados), que o ponto de referência da educação seja o compromisso
de transformação da sociedade em vez de sua manutenção ou perpetuação.
Autor de diversas obras sobre a questão educativa
no Brasil, Saviani tem uma visão crítica sobre as políticas que vem sendo
implementadas sob o governo golpista de Michel Temer (PMDB).
Em entrevista ao Brasil de Fato, Saviani
afirmou, por exemplo, que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55,
conhecida como PEC do Teto dos Gastos, que congela os investimentos públicos
durante 20 anos, inviabilizou o Plano Nacional de Educação (PNE), criado em
2014 pelo governo da presidenta Dilma Rousseff. O PNE previa aumentar o valor
dos investimentos na educação pública gradativamente em um período de dez anos.
O pedagogo, que é professor emérito da Universidade
de campinas (UNICAMP), também criticou a reforma do Ensino Médio decretada
neste ano pelo governo Temer através da lei n.º 13.415, e cuja implementação
pode ocorrer entre 2019 e 2020. Para Saviani, a reforma significa um retrocesso
que nos levaria para a década de 1940, já que as atuais mudanças propostas são
comparáveis às leis orgânicas criadas nessa época, que previam um ensino
secundário diferenciado para “elites condutoras”, e outro para "o povo
conduzido", conforme explica.
Durante a entrevista, Saviani ainda falou sobre a
iniciativa chamada de “Escola Sem Partido”, a qual considera “uma proposta que
procura se sintonizar com a visão fundamentalista das seitas religiosas”, e
apontou caminhos para a construção de resistências às políticas de retrocessos
que estão impactando na educação brasileira.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Em sua fala recente, você citou
diversos retrocessos do governo golpista de Michel Temer. Um deles é a
inviabilização do Plano Nacional de Educação de 2014. Por que ele ficou
inviabilizado e quais as consequências?
Dermeval Saviani: Um dos
pontos chaves que provocou o golpe foram os interesses econômicos do sistema
financeiro, daí o foco na dívida e nas contas públicas, para fazer caixa, para
fazer o superávit primário, para o pagamento dos bancos. Isto levou àquela
emenda constitucional, a chamada PEC do Fim do Mundo, que congelou por 20 anos
os gastos públicos, limitada apenas à inflação do ano anterior.
Então, isto inviabiliza o Plano Nacional de Educação
(PNE) porque as metas do plano estão vinculadas aos recursos financeiros. Uma
das metas principais, a meta 20, que determinava atingir 7% do PIB [para o
investimento na educação] nos primeiros cinco anos, chegando a 10% ao final do
período de dez anos. Como o plano foi aprovado em 2014, então a meta de 10% do
PIB, deveria ser atingida até 2024.
Com a aprovação da emenda constitucional por 20
anos, impedindo investimentos públicos, e iniciando-se a partir de 2017, isto
conduz essa limitação até 2037. Como o plano vence em 2024, as metas ficaram
inviabilizadas; algumas delas que deveriam ser atingidas no prazo de 2 anos,
portanto em 2016, já venceram e não foram atingidas, e aquelas cujo vencimento
se estende até 2024, também estão inviabilizadas por conta dessa PEC.
O senhor critica o fato da reforma do Ensino Médio
ter sido feita sem diálogo com os atores principais da educação. Quais os
problemas que apresenta esta reforma?
Essa é uma reforma que, na verdade, implica um
retrocesso para a década de 1940, quando estava delimitada a formação
profissional de um lado e a formação das elites de outro. Então, em 1942, o
decreto que é conhecido como Lei Orgânica do Ensino Secundário, determinava que
o ensino secundário se destinava às elites condutoras, e nesse mesmo ano de
1942, foi baixado um outro decreto, conhecido como Lei Orgânica do Ensino
Industrial, regulando o ensino industrial, com o mesmo período de duração do
ensino médio, quatro anos de primeiro ciclo, chamado ginásio, e três anos do
segundo ciclo, o colegial, para formar os chamados técnicos de nível médio. Se
o ensino secundário era destinado às elites condutoras, infere-se que o ensino
profissional era destinado ao povo conduzido. Em 1942 foi a Lei Orgânica do
Ensino Industrial, e em 1943 a do Ensino Comercial, depois em 1946 saiu a do
Ensino Agrícola.
No caso dessa reforma atual, eles preveem cinco
itinerários: os quatro primeiros correspondem àquelas áreas do antigo ensino
secundário, e o último é o ensino profissional. Argumenta-se que esses itinerários
são para flexibilizar o curso e permitir a escolha dos alunos. Mas isso é um
outro absurdo porque estariam atribuindo a adolescentes de 15 anos, a
responsabilidade de definirem o seu percurso, os seus projetos de vida.
Como é que um adolescente de 15 anos vai ter um
projeto de vida para poder escolher já entre os cinco itinerários, àquele que
corresponde ao que ele pretende desenvolver na sociedade? Nós sabemos que os
jovens de 18, 20 anos que ingressam no ensino superior não têm clareza ainda da
opção.
Então, na verdade, isto por um lado é uma
justificativa falsa porque a tendência é que a maioria vá para esse itinerário
profissional; inclusive, segundo a justificativa que normalmente se apresenta com
esse itinerário ele teria imediatamente a chance de ter um emprego, enquanto
que nos outros itinerários ele dependeria de ir para o ensino superior. De
outro lado, não há garantia de que as escolas ofereçam os cinco itinerários.
Então, a tendência vai ser oferecer dominantemente o quinto itinerário de
formação profissional, e algum dos outros de forma mais restrita.
Por detrás disto está o entendimento de que a
grande maioria vai para aquelas profissões de caráter não-intelectual, que
implica maior precariedade e salários mais baixos. Então, a diferença entre as
elites condutoras e a população trabalhadora de modo geral, proclamada lá na
reforma de 1942, tende a se acentuar com uma proposta como essa.
Você têm afirmado que a proposta da "Escola
Sem Partido" é, na verdade, uma proposta de Escola de Partidos, ao ser uma
iniciativa de partidos da direita. Quais são os riscos de propostas como esta?
Quando esse movimento de Escola Sem Partido
procurou traduzir em projetos de lei, tanto no Congresso Nacional, como nas
Assembleias e nas Câmaras Municipais, [percebeu-se que] trata-se de uma
proposta visando a cercear a formação crítica dos alunos por parte dos
professores. Uma proposta que visa a cercear a liberdade de pensamento, que é
prevista como um direito na Constituição. Uma proposta que procura se sintonizar
com a visão fundamentalista das seitas religiosas, pretendendo que os
professores nas escolas, se limitem a uma formação isenta de criticidade e de
capacidade analítica dos alunos. Então, se trata de uma proposta que visa, em
última instância, a conformar a população à ordem estabelecida, e nesse
sentido, é uma proposta conservadora e mais do que isso, reacionária.
Por último, o senhor vem falando da necessidade de
"resistências ativas" no âmbito educativo. O que já está sendo feito
nesse sentido e quais elementos devem ser levados em conta no futuro próximo
para fortalecer estas resistências?
O que eu venho propondo é a retomada dos Fóruns em
Defesa da Educação Pública, tanto no âmbito local, como no regional, no nível
dos estados, e no nível nacional. Esses fóruns são uma experiência que já
aconteceu, como o Fórum em Defesa da Escola Pública na Constituinte, que as
propostas dos educadores para figurar no capítulo da educação na Constituição
foram apresentadas, e, de fato, conseguiu-se que praticamente a totalidade
fosse incorporada à Constituição.
Depois, esse fórum se manteve na discussão da LDB
[Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional], e isto possibilitou alguns
avanços na tramitação na Câmara dos Deputados. Entre 1989, quando começou a tramitação,
o projeto foi encaminhado como uma novidade porque, tradicionalmente, os
projetos de lei de educação são de iniciativa do Executivo, mas nesse caso, em
dezembro de 1988, deu entrada na Câmara Federal, o projeto de LDB oriundo do
movimento dos educadores.
E aí tramitou de 1989 até 1994, quando foi aprovado
na Câmara dos Deputados, com idas e vindas, havia o Centrão lá fazendo
resistência, impedindo, por exemplo, que o título de Sistemas Nacionais de
Educação fosse introduzido, então mudou-se para Organização da Educação
Nacional, mas com alguns avanços importantes. Só que aí, passando para o
Senado, veio a nova legislatura com o governo FHC [Fernando Henrique Cardoso],
que assumiu em março de 1995, e todo esse trabalho foi posto de lado e apresentado
um substitutivo, de iniciativa do senador Darcy Ribeiro, articulado com o MEC
[Ministério da Educação e Cultura], sendo aprovado e resultando na atual LDB
que, do ponto de vista dos educadores, apresenta vários limites. E aí a
mobilização continuou com os Congressos Nacionais de Educação que elaboraram
uma proposta de Plano Nacional de Educação, que também se antecipou do governo.
Então, esse é um movimento de resistência que
avança em alguns momentos, em outros momentos acaba não conseguindo muitos avanços,
mas que é necessário para evitar os retrocessos e retomar os avanços que os
educadores vêm defendendo já há várias décadas como necessários para o
desenvolvimento da educação pública e o atendimento das necessidades
educacionais da população.
É importante não só retomar, mas ampliar, não ser
fóruns organizados apenas para as entidades do campo educacional, mas
incorporando também as entidades do campo sindical, dos sindicatos dos
trabalhadores e dos movimentos sociais populares, para reforçar essa mobilização
e, nesse sentido, fazer reverter as medidas retrógradas que o atual governo vem
tomando.
Edição: Simone Freire
Nenhum comentário:
Postar um comentário